quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Balanço de 2009

Sempre que o ano vai chegando ao fim, vem aquelas listas intermináveis de livros lidos, filmes vistos, games jogados, pessoas conhecidas, palavras faladas, etc e tal. Não fiz nenhuma lista esse ano - apesar de adorá-las, não tive paciência depois de junho -, mas cá estou para tentar fazer um balanço desse ano que passou. Um pouco estilo retrospectiva 2009...

Esse ano foi excepcionalmente bom. Não por ser o do meu último ano de escola - terminar o terceiro ano é um alívio, mas tem um sabor agridoce com o fim de amizades e encontros diários com outros alunos e professores - e o ano em que enfim prestei vestibular - ainda estou em estado de agonia interna esperando os resultados dos aprovados -, mas sim por ter sido um ano de muita aprendizagem. Me cansei extremamente, das pessoas e de tudo o mais, depois desenjoei, aprendi a gostar e desgostar, a falar mal nas horas menos apropriadas e falar bem só quando deveria. Descobri livros que nunca descobriria por conta própria, conversei com pessoas que imaginei que nunca conversaria na minha vida e solidifiquei amizades que serão difíceis de ser desfeitas.

Enfim, só queria escrever esse breve relato pra isso mesmo: compartilhar as belezas e feiúras desse ano que passou, com todos aqueles que são especiais, mesmo que sequer desconfiem disso.

Então é isso, até o ano que vem :)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Alguém ainda duvida do poder do Toddynho?

Essa é pra abrir a seção 'inutilidades' do blog :) Roubado desse blog aqui

Ano novo, blog novo

Pois é, resolvi dar uma repaginada no layout do blog, pros meus 2,56 leitores sentirem que alguma agitação está acontecendo por aqui :) Espero que gostem

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Eles dizem

Dizem que poesia é momento
Inquietação de uma
alma enlouquecida.

Dizem que poesia é sofrer
Gritar de dor por um
presente ilusório.

Dizem que poesia é amar
Expresso em versos
doces e sinceros.

Dizem que poesia é chorar
Por aqueles que não
podem mais lê-la.

Dizem que poesia é querer
Querer dizer e não
dizer para ninguém.

Dizem que poesia é sorrir
Por uma vida um tanto
quanto miserável.

Dizem que poesia é morrer
de sofrer
de amar
de chorar
de querer
de sorrir.

Dizem que poesia é inútil.

(09/12/09)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O Aniversário das Minhas Cicatrizes

*A imagem do escritor Jorge Luis Borges é meramente ilustrativa


Sinto o cheiro do concreto das escadarias. Não é algo tão agradável quanto os pratos deliciosos de fim de semana de dona Fernanda, mas ainda assim consigo aproveitá-lo. Arrasto meus dedos no muro irregular e áspero, chamam de chapisco, não sei é assim que se fala, acho que é. Sinto o calor dos raios solares preso naquela parede, confortando e aquecendo como uma mãe que tranquiliza o seu filhote nos dias frios de inverno. Impessoal, o muro continua ali, sem falar ou agir, sendo um atuante passivo de todo o calor agradável de seis e meia da manhã.

Desço as escadas silenciosamente, tendo como únicos sons os da minha respiração e o toc toc toc de minha bengala. Os pássaros tímidos cantam a primeira canção do dia quando o vento bate nas copas das árvores mais altas. Cansado, pernas enrijecidas de tanto esforço, brisa no rosto, sento sobre os últimos degraus da escadaria, num esforço homérico para não tombar e cair feito um velho desatento e frágil. Ironia seria chegar aos noventa e seis anos e morrer tropeçando no último degrau das escadas. Não, não ironia. Fatalidade. Dessas que sempre acontecem a velhos desatentos, que gastam tanto da vida e acabam morrendo engasgados com um pedaço de carne maior do que as suas dentaduras aguentam triturar.

Penso na morte todos os dias. De tudo o que me resta, pensar na morte é aquilo que mais me conforta. Essa sensação de saber que o fim chega; de sentir, com toda a certeza, o peso do mundo sobre os ombros. De acordar e esquecer quem é, onde está e o que está fazendo. A morte é minha musa. Em meus sonhos, esqueço-me daquela imagem de ceifador com a qual desde sempre aprendi a relacionar a morte. Não, a minha morte não é uma caveira suja de capuz negro e foice na mão. É, ao invés disso, uma adolescente das mais doces, com olhos amendoados e cabelos bem amarrados em duas tranças dos lados de sua cabeça. Tem um vestido de flanela e carrega consigo uma cesta de frutas, todas polpudas e cheias de vida, assim como ela. Mantém-se jovem usando e abusando de velhos como eu, tomando-lhes o que lhes resta de vitalidade. Tudo para que suas frutas sempre continuem polpudas e que seu sorriso nunca fique amarelado. É como Judy Garland no caminho das pedras amarelas, com Totó ao seu lado, sorrindo e cantando e sempre encontrando um personagem interessante com o qual pode se relacionar.

Encosto o queixo sobre a bengala, cansado. Esfrego os dedos sobre as cicatrizes dos meus pulsos, minhas companheiras inseparáveis há vinte e cinco anos. Hoje é o aniversário delas. Bodas de prata com as minhas companheiras mais fiéis e inseparáveis. Nem mesmo toda a senilidade da idade avançada me fez esquecê-las. Nem poderia. Estão aqui, todos os dias, ao simples toque das pontas de meus dedos, como uma amarga lembrança de minha única tentativa de adiar o encontro com minha Judy Garland particular. Plano frustrante e sem sucesso, que deixou como única recordação uma série de memórias amargas e um par de cortes transversais que, por sorte, nunca pude enxergar. As memórias continuam aqui ainda hoje, mas acho que não vale a pena remoê-las, nem mesmo no dia do aniversário de minhas cicatrizes.

Mas as memórias vêm. Por mais que tente reprimi-las ou pausar a minha linha de pensamento com imagens do Homem de Lata ou do Leão Covarde, elas sempre voltam. Sinto que as lágrimas patéticas e salgadas começam a escorrer pelo meu rosto, e me sinto estúpido por ainda chorar por conta disso. É mais forte do que todas as minhas convenções ou falsas emoções; maior do que as minhas farsas e meus sorrisos de ‘hoje está tudo bem’. É a sinceridade carnal de minhas particularidades. Coisas complicadas demais, das quais nem eu entendo muito bem. Tudo o que sei é que doi. As lembranças da dor doem mais do que a dor propriamente dita: ainda sinto as lâminas enfiando-se por minha pele, estourando vasos e fazendo o sangue jorrar dos pulsos. O barulho ensurdecedor da água do chuveiro e eu, caído no chão frio de qualquer jeito, brigado com Deus e perguntando por que o Soberano não poderia escolher outro para irritar com suas provações divinas. ‘Fraco’, eu ouvia uma voz dentro de mim dizer. Talvez fosse eu mesmo. Talvez fosse apenas Deus, decepcionado com meu ato e raivoso com minha decisão. Ainda hoje não sei dizer. Naquele breve momento, pensei que fosse fácil morrer. Pensei que tudo tinha dado certo, que eu tinha conseguido burlar as provações divinas com minhas próprias mãos e livre arbítrio. Quisera eu.

Acordei dois dias depois, zonzo e acreditando que estava no inferno dos suicidas. Mas estava apenas na cama de um hospital público, fedendo a urina e fezes involuntárias. Vozes nos corredores de lá para cá, pessoas correndo, barulho de sapatos, pessoas gritando, crianças chorando, insatisfeitos reclamando. Senti que alguém pegava em meu braço e o sacolejava.

“O senhor está me ouvindo?”, ouvi a voz dizer.

“Estou”, respondi, a garganta seca.

“Por favor, siga a luz da lanterna com os olhos”, ela disse.

“Não”.

“Por que não?”.

“Sou cego”.

A verdade estampada naquelas palavras doeu ainda mais do que as lâminas em meus pulsos. Era a primeira vez que dizia isso em voz alta. A primeira vez que admitia isso para alguém além de mim mesmo. Antes, tentava enganá-los com óculos de lentes grossas, sendo tomado apenas por mais um velho de vista cansada. Sentia que os dias passavam e o mundo sucumbia às trevas, gradualmente, lentamente, numa agonia constante. Então acordei, mas ainda estava escuro. Esfreguei os olhos e nada mudou. Via luzes cintilantes e multicoloridas, dessas que a gente não presta atenção quando está de olhos fechados. Tentava defini-las, mas tudo o que conseguia era me desesperar mais. Esfreguei os olhos com mais forças, mas tudo o que conseguia era que o desespero tomasse conta de mim.

Fui considerado um perigo para mim mesmo. A primeira providência seria ligar para algum familiar ou parente. ‘Não há nenhum’, eu disse, ‘moro sozinho’. Não daria o telefone de meu filho, sob hipótese alguma. Mesmo que fosse a única pessoa com quem pudesse contar – e era, naquele momento –, ainda assim preferiria a solidão por toda a infinidade. Então só me restava uma opção: uma casa de repouso, onde enfermeiras bem treinadas cuidariam de mim e vigiariam para que eu não cometesse mais nenhum atentado contra minha vida.

Foi quando cheguei aqui, aos setenta e um anos de idade. Com apenas uma mala nas mãos, três camisas e duas calças de brim. Sempre pensei que chegaria à idade avançada rico e famoso, repleto de saúde e belas mulheres. Minhas fantasias adolescentes, quando pensava que o mundo era pequeno demais para minhas ideias. Seria um grande astro, importante, teria meu nome marcado para sempre na história. Hoje não sei se alguém sabe que existo. Sou como um fantasma, e nem mesmo morri. Passo por esses corredores como um mau agouro, mas, ao invés de arrastar correntes, faço barulhos com minha bengala. Passo pelos outros internos, fétidos e acabados, piores do que eu.

Ninguém me vigia. Ninguém me limpa. Tenho sorte de ter conseguido manter minha lucidez e minhas capacidades motoras durante tanto tempo. Se fosse depender das enfermeiras, na certa já teria tentado encontrar com Judy Garland pelo menos uma dúzia de vezes a cada mês. Não seria impedido por ninguém, tenho plena certeza disso. No entanto, nunca mais tentei. Acho que o medo de uma segunda falha talvez seja um dos motivos. Não aguentaria ter cicatrizes sobre cicatrizes; lembranças postas acima de outras lembranças, me perturbando mais e com maior intensidade. Seria permanentemente infeliz, se fosse frustrado. Preferia não arriscar uma possibilidade de erro.

Então tudo o que faço é esperar, sentado sobre essas escadas, até o dia que ela chegar. Eu já até sei: virá cantando somewhere over the rainbow, com feno nos cabelos e aquele olhar que nem mesmo os tons de sépia conseguem apagar. Terá Totó ao seu lado e sorrirá, e eu poderei ver esse sorriso. E ela me roubará a vitalidade, mas eu não me importarei. Darei a ela de bom grado, apenas para ver aquele sorriso ainda mais iluminado e aqueles cabelos vermelhos ainda mais brilhantes. Virá com seus sapatinhos de rubi, e me dará a mão, Totó em seu colo, e dirá ‘não há lugar como o lar’ três vezes seguidas, batendo os calcanhares, olhos fechados em desejo sincero. Então levitaremos, longe das vistas daqueles que enxergam. E estarei feliz, pois sei que ninguém dará pela minha falta, talvez apenas os velhos do corredor, perguntando onde está o barulho da bengala. Eles não saberão, mas depois se acostumarão com o silêncio da manhã, como sempre foi e deveria ser antes de mim. Eu estarei longe, observando-os, deitado na minha cama de nuvens brancas, sorrindo com o brilho do sol refletindo em minhas córneas completamente límpidas, brincando de malabares com as estrelas. Estarei feliz, e passarei as pontas de meus dedos sobre meus pulsos, e as cicatrizes não estarão mais ali. Pois eu fui perdoado por minha tentativa antecipada, a morte sabe ser boa quando quer. E eu serei feliz, sei que irei. É nisso que penso, dia após dia. Penso em ser feliz. Penso que no fim tudo isso valerá a pena. Tudo tem um propósito, já ouvi alguém dizer. No fim, tudo aquilo que vivemos terá sua compensação.

Mãos tocam meu ombro. Sinto o cheiro de alfazema misturado com molho de carne de dona Fernanda.

“Vamos comer alguma coisa?”, ela me pergunta. Sei que ela está sorrindo.

“Vamos.”

Acho que ela não sabe meu nome. Nunca me chamou pelo nome, mas que importa isso? Levanto com dificuldade, sustentando-me nos braços dela, tão fracos quanto os meus, mas mais resistentes de tanto mexer em panela com colher de pau. Volto pela escadaria que subi, sentindo o cheiro de pão quente e café recém-coado. Maravilha.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

duas poesias

esfinge

se quer saber quem sou
sinto dizer, nunca saberá
se quer me surpreender
sinto dizer, não conseguirá

se quer me dizer
não te deixarei falar
se quer fazer
vou te desprezar

bata, sinta, chore
queira me matar
grite, brigue, implore
não vou me importar

(02/11/09)

***

a sorte dos homens

fim da vida
céu chora
nuvem cinza
me ignora

não quer saber
quem perdi
ou quem deixei
de perder

continua a chover
não se preocupa
com a morte
que sorte
ela vai
e volta
sempre

e sempre
me ignora
com a certeza
de sempre retornar

nuvem desafortunada
morre
sobe
revive
só para morrer de novo

sorte dos homens cá embaixo
morrem apenas uma vez na vida

(02/11/09)

domingo, 1 de novembro de 2009

Cinema

Paredes vermelhas aveludadas. Tecidos puídos pelo tempo, desgastados pelas mãos que ali passaram seus dedos, finos ou grossos, enquanto atravessavam o corredor escuro e silencioso em direção àquela apoteose.

Paz, tranquilidade, silêncio.

Ao longe, a música clássica sussurra aos ouvidos dos homens e mulheres. Solitários, apaixonados, despretensiosos, impressionados, tranquilos, furiosos, sedentos de sangue, de drama, de comédia.

O mundo fica para trás quando atravessam aquelas portas duplas de madeira que se abrem para dentro daquela sala cor de sangue. Confortados e confortáveis, sentam-se em suas poltronas reclináveis. Fecham os olhos por um segundo, aproveitando a sensação daquele lugarzinho gélido, mas ainda assim aconchegante.

As luzes apagam lentamente, a tela se acende. Eles se aninham na poltrona, atenções voltadas para frente. Sorriem.

O filme vai começar.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Dorian e Narciso

Narciso olhou para o espelho d'água, mas não viu seu reflexo. Ao invés de se deparar com os próprios olhos amendoados, redondos e profundos, viu olhos azuis e rasos; cabelos loiros na altura dos ombros ao invés dos seus, pretos e caídos em uma franja. Franziu o rosto, o coração disparado, tentando entender o que acontecia.

Do outro lado, Dorian Gray tirou a cortina vermelha que cobria seu retrato, mas percebeu que a imagem se modificara. Um ser de cabelos curtos e negros o encarava estaticamente. Dorian poderia jurar que a imagem tinha o cenho franzido em dúvida, mas ele não sabia dizer o porquê.

Intrigados, mas, acima de tudo, admirados, passaram a analisar a nova imagem refletida. Perguntaram-se porque haviam mudado, no entanto não souberam responder.

Narciso olhou fundo naqueles olhos azuis e parecia estar olhando para dentro da alma de Dorian Gray.

Gray percebeu que o olhar da imagem se estreitava, e retribuiu-o. Deleitou-se com aquela cumplicidade. Era uma imagem tão bonita quanto ele próprio.

Enquanto olhavam-se profundamente, trocando entre si falas mudas, as imagens se dissolveram e tornaram-se novamente os reflexos de seus respectivos donos. A partir deste dia, Narciso nunca mais desgrudou-se do espelho d'água, sempre a procura daquele reflexo misterioso; enquanto isso, Dorian Gray passava dias e mais dias encarando seu retrato, procurando pelo misterioso homem com a franja caída sobre os olhos.

sábado, 17 de outubro de 2009

O Não-Escrever

Quando estou seco, palavras soltas como essas me ajudam. Estou olhando há mais de três horas para essas teclas de computador e não consigo escrever ficção. É um daqueles momentos que os grandes escritores chamam de 'bloqueio' e onde os amadores e aspirantes chamam de 'preguiça'. Já ouvi umas quinhentas músicas, tomei umas cinco xícaras de café, comi pizza, fiz downloads, sentei, bati pé, esperei, re-esperei, resisti, desisti, mudei de ideia, e ainda assim nada.

Sabe, isso acontece muito com quem gosta de escrever. Essa aflição de querer e não conseguir, de esperar uma inspiração divina que não chega nunca. Não sei como os outros escritores - amadores ou não - lidam com isso, mas eu sei que não gosto nem um pouco. Odeio querer escrever mas não conseguir. É aflitivo, desesperador, sufocante.

Záfon diz, no livro "O Jogo do Anjo": "A inspiração virá quando fincar os cotovelos na mesa, o traseiro na cadeira e começar a suar. Escolha um tema, uma ideia e esprema o cérebro até doer. É isso o que se chama inspiração". Já tentei concordar com essa afirmativa, mas não sei se consigo. Não sei se é de todo verdade: inspiração pode sim vir dessa forma, mas é tão mais deliciosa quando vem em um lampejo, numa ida à padaria ou debaixo do chuveiro. Quando você não pensa em ter uma ideia e ela aparece, isso sim é bonito.

As minhas melhores ideias são as que vêm de repente. Me atingem com uma potência assustadora, e eu adoro esse impacto.

Mas enquanto o impacto não chega, continuo com minhas músicas, meus downloads e meu café. Escrever sobre o não-escrever é sempre proveitoso.

Quero Morrer de Amor

quero morrer de amor...
morrer com a sensação de ter amado
com a intensidade de mil sóis
com a certeza de um cálculo
com a sonoridade de uma canção
com a alegria da solidão
com muita paixão

quero morrer de amor, com amor, no amor, para o amor
quero antes a loucura dos sãos
a beleza dos monstros
a alegria dos depressivos
a paradoxo das compreensões

quero a poesia louca e sem propósito
quero tudo no amor
e no fim quero poder sorrir e dizer: "eu amei"
e morrerei em paz

(15/10/09)

Um pouco piegas hj :P

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Amizades eternas de dois dias de duração

frágil como um castelo de cartas que
ao sabor do mínimo vento se desfaz
delicado como um cristal que
se racha à menor vibração
volátil da mesma forma que
éter evaporando pelo ambiente

não é belo nem sincero
é auto-afirmativo
é necessário, não é?
necessário mostar aos outros que
risos de plástico são de alegria
mostrar que dezenas de fotos expressam a realidade
quando na realidade não passam de
um bocado de mentiras

essa amizade desvairada
que mal começa é superestimada
com falsas promessas de eternidade

bobos daqueles que
presos nessa fantasia
acham que têm amigos de verdade

(15/10/09)

sábado, 3 de outubro de 2009

Yes, We Créu!


Tensão durante todo um dia. Quatro cidades - sendo três delas localizadas em países desenvolvidos - disputando qual seria escolhida a sede das Olimpíadas de 2016. O Rio de Janeiro era favorito, mas o discurso do rei espanhol Juan Carlos elevou as chances de Madrid. Estávamos nos perguntando se o Brasil realmente conseguiria impressionar o Comitê Olímpico Internacional. Particularmente, minhas expectativas não eram lá tão altas.

Mas então, para surpresa de todos, Chicago foi logo descartada. Nem mesmo o repórter da CNN acreditou que a cidade pudesse ser a primeira eliminada. Obama nem ficou para ouvir, saindo de Copenhague antes do anúncio da eliminação.

Os veículos de comunicação brasileiros piraram. A disputa, em tese, estava entre Chicago e Rio de Janeiro. Com Chicago eliminada, o que aconteceria em seguir?

O que todos previam aconteceu. Tóquio também foi eliminada.

Depois, o momento da pausa dramática. O anúncio da eliminação de Chicago e Tóquio aconteceu por volta de 12:30, e o anúncio decisivo da cidade escolhida seria dado apenas 13:30.

Coberturas especiais na Rede Globo e Globo News, povo carioca com a cara enfiada na televisão e na internet, esperando ansiosamente pelo anúncio. Uma multidão enchia as praias de Copacabana numa festa organizada para incentivar a candidatura do Rio de Janeiro.

E finalmente o anúncio saiu: o Rio de Janeiro foi a cidade escolhida para sediar as Olimpíadas em 2016.

Os gritos ecoaram. Parecia que o Brasil havia feito um gol de desempate na final da Copa do Mundo. Twitters enloquecidos postavam "Yes, We Créu" - que chegou ao primeiro lugar como expressão mais postada. E os gringos se esforçavam para tentar entender a brincadeira.

Enfim, conseguimos. Mas a parte boa só virá daqui a sete anos. Por agora, o governo têm (com acento mesmo) muito trabalho pela frente, e, consequentemente, nós também temos. Trabalho para exigirmos uma Olimpíada bela, limpa, organizada e inesquecível; para exigirmos um Rio de Janeiro tão belo quanto o vídeo de Fernando Meirelles, para termos orgulho dos olhos do mundo voltados para nós.

Quando as Olimpíadas estiverem por aqui já vou ter 24 anos. Hoje tenho 17. Pode parecer muito tempo, mas pela quantidade de trabalho e a fleuma e burocracia com as quais as coisas acontecem no país, tenho minhas dúvidas quanto a relatividade deste tempo. Que ele seja suficiente e administrado com competência. Espero que um esforço coletivo seja feito para essas Olimpíadas, e que o legado dele realmente valha a pena. Que não aconteça o mesmo que aconteceu com as instalações do Pan-Americano de 2007 (alguém ainda ouve falar delas, por acaso?).

Mas hoje eu ainda grito: YES, WE CRÉU!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Sexta-feira nublada

quem sou eu pra você?
esse seu jeito de dizer 'você é especial' é sincero?
ou é apenas uma soma de palavras dita por pena?

olhando para nossas fotografias
para o riso que dávamos
e as poses que fazíamos
e os sonhos que nutríamos
as citações que escrevíamos
os livros que líamos
as músicas que ouvíamos
as pessoas que admirávamos
o mundo que queríamos só para nós
tudo isso realmente existiu?
ou são minhas fantasias?
meus próprios desejos não-identificados em você?

minhas dúvidas são bobas
absurdas, obtusas, sem sentido
mas me peguei pensando nisso
me peguei pensando no que nós somos
e no que seremos

me pergunto se isso tudo é sincero

(25/09/09)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

“Memória de Minhas Putas Tristes”, Gabriel García Márquez

Não sou do tipo que vai a uma livraria com exatos dezesseis reais no bolso e compra um livro; também não sou do tipo que lê no ônibus no caminho de volta para casa; e tampouco sou do tipo que lê um livro inteiro em poucas horas.

Mas com o livro “Memória de Minhas Putas Tristes” quebrei todos esses meus paradigmas particulares. Estava na minha visita solitária ao shopping, na pós-sessão de cinema de “Up: Altas Aventuras”, e passei na livraria, munido de dezesseis reais livres – troco do ingresso, comes e bebes. Fiquei bastante tempo lá, lendo prefácios e orelhas de livros de bolso e de grandes editoras, resolvido a comprar alguma coisa com o dinheiro que tinha. Olhei, procurei, virei e revirei a livraria e peguei um dos exemplares de “Memória de Minhas Putas Tristes”. Dei de ombros e falei: ‘É você mesmo... é o mais barato daqui”.

Paguei, fui até a fila do ônibus e comecei a ler o livro logo ali, por total falta do que fazer – eram sete da noite e Niterói inteira parecia espremida naquele terminal rodoviário a caminho de São Gonçalo.

Logo que comecei a ler, ainda na fila do ônibus, fui invadido por sensações que dificilmente me invadem – ainda mais no caso de um livro tão pequeno e com letras garrafais como este, com uma gritaria dos infernos de “Bala! Pipoca! Salgadinho! Coca-cola é dois real!”.

Logo ao primeiro parágrafo, o personagem principal do livro fala de suas intenções. É possível perceber toda a melancolia de suas palavras. Com noventa anos, crítico musical e cronista de uma coluna semanal, o personagem principal é notadamente amargurado. Amargurado pela vida longa e aparentemente sem nenhum acontecimento importante; amargurado por uma solidão que se estende de seu nascimento até o dia de seu aniversário de noventa anos.

Tomado subitamente por um ímpeto, ele decide se dar de presente uma noite de amor com uma menina virgem e desconhecida. Para isso, liga para Rosa Cabarcas e deixa tudo acertado para o encontro com a menina. A partir daí, a trama se desenrola. Com maestria, como não poderia deixar de ser.

O lirismo de cada palavra de Márquez é indescritível. O texto, em primeira pessoa, carrega em si toda a solidão do personagem. Eu, particularmente, me pergunto se o próprio Gabo não se confunde com o personagem principal da história.

O livro trata, acima de tudo, sobre o amor. Sobre o amor tardio, sobre o amor não correspondido, sobre o amor platônico, sobre o amor paixão, sobre o amor e sobre o amar. São inúmeros adjetivos e substantivos que se confundem numa mescla de sentimentos e sensações que arrebatam o leitor de forma única.

“No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quando tinha alguma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma de suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza de meus princípios. Também a moral é uma questão de tempo, dizia com sorriso maligno, você vai ver. Era um pouco mais nova que eu, e não sabia dela fazia tantos anos que podia muito bem estar morta. Mas no primeiro toque reconheci a voz no telefone e disparei sem preâmbulos:

- É hoje.”

Memória de Minhas Putas Tristes, Gabriel García Márquez – Pág. 7

O romance desenhado pelas palavras de Márquez é um ultimato ao amor. Mesmo que tardio e de uma forma completamente inesperada, ele pode acontecer. Recomendadíssimo!

PEDRO, ME DÁ MEU CHIP!

Tá bom, pode ser meio velho, pode ter mais de um milhão de visualizações, mas ainda assim não deixa de ser engraçado. E se, às altas horas da madrugada, uma mulher completamente alterada começasse a gritar "PEDRO, ME DÁ MEU CHIP, TRAZ O QUE É MEU, VOCÊ ROUBOU, EU VOU CHAMAR A POLÍCIA, ABRE ESSA PORTA, ABRE ESSA PORTA, ME DÁ MEU CHIP, SEU LADRÃO!"

É claro que você também gravaria e colocaria no youtube, não?


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

"Misto-quente", Charles Bukowski

Não sou profundo conhecedor do movimento beatnik nem conheço muitos escritores que aderiram a esse movimento. Para falar a verdade, Bukowski é o primeiro do gênero que leio. E posso dizer que, se todas as obras beatniks forem tão boas quanto “Misto-quente”, então vale a pena conhecê-las mais a fundo.

Mas vamos lá, pelo começo: conheci o Bukowski por acaso, num encontro chuvoso em Niterói pelo Campo de São Bento e Plaza Shopping com uns colegas que não tenho lá muito contato. São os integrantes do Lápis Autônomos, grupo do qual eu faço parte mandando textos (muito) esporadicamente. Um pessoal bem legal, cujo único propósito é escrever, sem fins lucrativos ou ideais muito traçados. É escrever para externar o que se sente, pra se divertir, pra gritar no silêncio das palavras.

Ok, deixemos o Lápis Autônomos para outro post e nos concentremos no Bukowski.

Comprei o livro “Misto-quente” nas minhas andanças pela XIV Bienal do Livro. A capa da editora é um tanto quanto sugestiva: um homem e uma mulher rolando pelo chão, seminus, brigando pelo controle de um telefone, enquanto no chão jazem uma garrafa que aparenta ser de bebida alcoólica e um cinzeiro com cinzas espalhadas para todos os lados.

E é exatamente como a capa que o livro segue em toda a sua história: sujo.

Não há melhor adjetivo para resumir o livro “Misto-quente” além desse: sujo. Seja nas palavras, nas ações, nos pensamentos do personagem principal ou no contexto no qual a história se desenrola, ela é suja do início ao fim.

O livro conta a história de Henry Chinaski Jr., desde sua infância até a vida adulta. Filho de um pai autoritário e uma mãe passiva, descendente de alemães e com um grave problema de acne, Chinaski não tem perspectiva de vida alguma. Passa pela crise de 1929 e pela Segunda Guerra Mundial se preocupando em quanto vai finalmente conseguir uma foda. Não tem sonhos de se tornar alguém na vida, mas, ao contrário disso, se conforma com o que a vida lhe deu e tenta se divertir ao máximo com isso.

É possível notar – até mesmo porque o próprio prefácio do livro o diz – que o livro tem toques autobiográficos. Quem conhece a biografia de Bukowski sabe que o apelido que ele nutre de velho safado não está aí à toa. Pra quem não conhece, vale a pena dar uma pesquisada. É bom ver quando o personagem e o autor se confundem; com isso, o texto se mostra ainda mais sincero.

Mesmo com toda a sujeira e agilidade do texto, “Misto-quente” traz um quadro interessante de uma época. Mostra o lado sujo e pobre dos EUA, o não-idealismo e o não-patriotismo praticamente inexistentes nos filmes ou livros mais ‘dentro do padrão norte-americano’.

Li o livro em três dias e percebi, na minha leitura particular, que a minha vida não é tão ruim assim, se comparada com a do Chinaski.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A Sensação do Poder

- Preciso mesmo fazer isso?
- É claro que precisa.
- Mas eu... eu estou com medo, senhor.
- É sua função. Faça e ponto final.
- Não.
- Faça. Agora.
- Não quero dores, senhor. Não quero ser culpada pelo mal.
- O mal já foi feito. Os culpados serão punidos. Faça sua parte de uma vez por todas!
- Para onde o levarei?
- Dei-te um reino todo seu, ele ainda é imaculado. Leve-o até lá.
- Como pode ter tanta certeza de que ele não irá fugir?
- Não fui eu quem criou o maldito lugar? Pois então é perfeito. Todas as minhas criações são perfeitas.
- Nem todas, senhor... esses seres a quem chama de homens não são perfeitos. Se fossem, eu não precisaria estar aqui.
- Você é parte integrante dos homens, minha criança... você será o fim dos trágicos e o terror dos vívidos.
- Ora, já está vendo o futuro de novo? Qual a graça de saber o que vai acontecer antes de acontecer?
- Não desvie o assunto... faça agora, ele está sofrendo!
- Estou com medo!
- É necessário! Não vê que ele agoniza e espera pela sua chegada? Por que fazê-lo sofrer mais, sua insensível?! Vamos, acabe com ele de uma vez por todas.
- O que vai acontecer depois?
- Faça e descubra!
- Não, me conte primeiro! Eu vou gostar?
- Ah, sua insolente, faça agora mesmo ou acabo contigo!
- Se sou parte integrante do homem, o senhor não ousaria acabar comigo. Diga-me: vou gostar?
- Apenas pelo seu atrevimento vou responder-te: você irá adorar!
- Vou gostar de causar sofrimento?
- Se você não levá-lo agora mesmo, juro, por todas as gotas do oceano que te arranjo uma substituta!
- Tudo bem, mas quero apenas dizer que não vou gost-
- FAÇA!

(...)

- Pronto, pronto, está feito!
- Assim está melhor.
- Senhor?
- Sim?
- Quando vou poder fazer isso de novo?
- Virão muitas oportunidades.
- Eu... eu não me senti mal, nem um pouco. Ouvir os gritos e as súplicas foi como me sentir... viva!
- Ora, não diga besteiras! Você, sentindo-se viva?!
- Por que não posso me sentir viva?
- De todas as coisas que você pode sentir, vida é a última delas. É sua sina. Ou esperava que tanto poder fosse te dado assim, de graça?
- Quer dizer que essa sensação nunca mais vai voltar?
- Só quando outros homens morrerem. E muitos morrerão. Já disse que muitas oportunidades virão.

Ele sabia que Abel havia sido só a primeira faísca. Sabia também que ela ainda causaria dores extremas ao longo de muito e muito tempo, apenas pelo prazer de se sentir viva novamente.
Resolveu não falar sobre o futuro, guardando tudo para si. Afinal, era a sina dele, essa de saber de tudo. Tanto poder não poderia vir assim, de graça.

domingo, 6 de setembro de 2009

Indignação

Hoje não vou fazer nenhum post com poesias, devaneios romanescos ou um conto fantástico. Hoje o papo é sério, realidade nua, crua e indigesta.

Durante o início da manhã da sexta-feira passada (04/09), uma confusão se instaurou na boate paulista "A Loca", envolvendo os escritores e movimentadores culturais Liz Vamp e Kizzy Ysatis.

Não acompanho o trabalho dos dois de perto. Conheço o Kizzy graças ao livro "Clube dos Imortais: A Nova Quimera" e o admiro muito por tudo o que conseguiu como escritor, visto que a literatura fantástica brasileira ainda é bastante marginalizada. Não os conheço pessoalmente, nem mesmo alguma vez falei com um dos dois. No entanto, isso não me isenta de sentir indignação pelo fato ocorrido.

Tudo bem, vamos aos fatos.
"De acordo com o registro, a confusão começou depois que uma comanda que pertencia ao escritor (Kizzy Ysatis) foi encontrada no chão e ao ser chamado para pagar a conta, o rapaz disse que já havia pago e o funcionário do caixa chamou o gerente. Ainda segundo o relato da ocorrência, nesse momento começou uma discussão que terminou em agressões entre o escritor, a cineasta (Liz Vamp) e o gerente do local. Na delegacia, o gerente disse que apenas revidou as agressões dos clientes. "

Trecho da reportagem do G1, que pode ser lida integralmente aqui.
A reação dos amigos, familiares e admiradores de Kizzy e Liz foi quase instantânea. Logo, dezenas de blogs e sites vieram expressar a indignação por conta do caso. É o que estou fazendo agora. Espero - mesmo com toda a minha ceticidade acerca da justiça brasileira - que o caso se resolva com rapidez; que os culpados não fiquem impunes e que tudo possa ser esclarecido da melhor forma possível.

Vi as fotos de Kizzy no site da G1 e no pronunciamento que o próprio fez em seu blog pessoal, e não posso dizer que o que aconteceu foi um caso corriqueiro, uma bobeirinha à toa. Foi caso sério, e merece toda a atenção possível por parte das autoridades. Kizzy teve lesões no crânio e hematomas por todo o corpo, as fotos podem provar isso; o estabelecimento pouco - ou nada - fala sobre o assunto. Tamanho silêncio, por quais motivos?

Da minha parte, transborda indignação. Não só por ele ser escritor e ter todos os motivos do mundo para estar certo, mas por ser uma pessoa de bem que, sem motivos aparentes, foi espancado quase até a morte por uma futilidade desnecessária.

Desejo melhoras ao Kizzy - que certamente foi quem mais sofreu fisicamente - e força para Liz e para todos aqueles que os conhecem melhor do que eu conheço. Tenho certeza que o Kizzy vai se recuperar e vai voltar arrebentando!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Morte ao Som de Mojo Pin

Hoje me peguei pensando na morte. Assim, de repente, comecei a refletir. E se eu morresse agora, nesse exato instante? Tenho dezessete anos, sonhos realizados e a se realizar. Nunca tive um grande amor, nunca fiz uma maluquice digna de nota. Vivi – até agora, certamente – de um modo até que normal, sem muitas reviravoltas... com algum choro, algum riso, algumas lembranças, fotografias e filmagens.

Mas no que se resume tudo isso, logo ao fim? É só isso o que sobra? Lembranças, fotos e filmagens?

Penso que a morte não é difícil, ao menos não para quem morre. A morte é triste, é ruim, é natural... mas a parte mais difícil fica para quem está vivo. São eles que choram e que não se conformam; são eles que veem o defunto no caixão e têm uma vã esperança de que ele se levante e diga “ainda não morri, era brincadeira!”.

Isso não acontece.

Não sei porque me peguei pensando nisso. Talvez um pouco da minha veia dramática tenha finalmente entrado em ação depois de tanto tempo de reclusão; talvez seja apenas um pequeno lapso obscuro de depressão, talvez seja palhaçada de um desocupado... não sei.

Só sei que a morte me assusta. Me assusta porque é um mistério, me assusta porque entristece, me assusta porque é o fim – ou quem sabe, apenas o começo.

domingo, 23 de agosto de 2009

Refeição

Estética rubra
Vias azuis
Vias vermelhas
Algo que as cubra

Pistas sinuosas
Frágeis e delicadas
Túneis de vida
Curvas deliciosas

Quando a noite chega
Os olhos fecham
Via principal vulnerável

A criatura espreita
Os lábios queimam
Banquete indispensável

(23/08/09)

sábado, 22 de agosto de 2009

O Rato

O rato vasculha o chão
Cheira, procura, alegra-se
Vê na sarjeta o produto de sua existência

Corre, pega-o e guarda-o
Não deixará que nenhum metido a besta
Encoste em seu achado precioso

Egoísta, o tal rato
Nossa imagem e semelhança
Com rabo e pelugem cinza

(22/08/09)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Desafio Inicial

Propus-me um desafio
Escreverei poesia
Sem nenhum intuito especial
Escreverei uma por dia.

Esta é a primeira
E bem, não sei bem do que falar
Cotidiano? Fantasia? Vida? Morte?
Tantas possibilidades a explorar.

É isso! Hoje escreverei sobre nada
Serão palavras vazias e descuidadas
Que servirão apenas como prólogo

Palavras dessincronizadas
Prosa com versos errados
Poesia sem significados

(21/08/09)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Globo de Neve

Pra espantar as moscas do blog, vou postar meu conto mais recente. Espero que se divirtam!

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Globo de Neve
por Lucas L. Rocha


Minha vida é lenta. Absurdamente lenta. Pegue todos aqueles dias de tédio que você já teve na sua vida – não se esqueça, em particular, dos domingos e das segundas-feiras – e junte-os. Agora multiplique esse valor por um número consideravelmente grande, e talvez você possa perceber como me sinto. E acredite em mim: você não iria querer estar em meu lugar, não importa o seu grau de loucura.

Você provavelmente deve estar se perguntando: ‘tudo bem, mas onde você vive para ter uma vida tão ruim?’ Pois eu te digo: em um globo de neve. Exatamente. Pode rir de mim, se quiser. Vivo em um objeto tão sem graça e sem função que você deve ter um e sequer percebe que ele existe – a não ser que o Natal esteja por perto, é claro.

Vivo em uma prateleira enfadonha, em um quarto enfadonho onde uma garota enfadonha passa a maior parte do tempo livre. Sempre dei bastante atenção a ela – não tenho muito o que fazer, o que me torna um ser extremamente fofoqueiro – e não era de hoje que havia percebido que ela estava estranha. A princípio, pensei que fosse coisa de adolescente: aquelas roupas pretas, aqueles livros de ocultismo e aquele cabelo sujo e despenteado.


Só nunca passou pela minha cabeça que ela estivesse envolvida com bruxaria.


Por algum motivo especial, ela conversava comigo. Não que eu pudesse responder, é óbvio que não posso. Eu sei, é bastante estranho, mas o que você quer que eu faça?


- As pessoas não me entendem, Londres... – ela dizia, pegando-me da prateleira e sacudindo o globo ininterruptamente (ah, como eu a odeio quando faz isso!) – Papai e mamãe acham que eu sou uma adolescente rebelde, todos do colégio me irritam... por que isso acontece?


E ficava olhando para mim, esperando por uma resposta.


- Mas as coisas vão mudar, ah, se vão! – ela disse, jogando o globo de uma mão para outra (e eu imaginava a bagunça na qual estava se transformando minha casa). – O Heitor vai vir aqui amanhã, a gente vai se divertir. Ele vai me contar alguns segredos da bruxaria, e disse que depois disso eu nunca mais vou ver o mundo com os mesmos olhos.


Heitor é um tipo de mentor. Deve ser um rei dos bruxos ou alguma coisa do tipo. Essa menina fala dele o tempo todo, como se o cara fosse o Apolo em pessoa.


- Eu vou te deixar aqui para ouvir os segredos, tá? – ela levantou da cama e colocou o globo de volta na estante – Só não faça barulho: tenho certeza que o Heitor vai ficar puto se descobrir que alguém além de mim está ouvindo.


Por mim, tudo bem. Não acredito nessa história de bruxaria mesmo.


Pelo menos não acreditava, até que Heitor chegou no dia seguinte.


Era um cara alto e esguio, de vinte e poucos anos. Tinha os cabelos na altura dos ombros e os olhos mais verdes que já vi na minha vida. Um cigarro fumegava entre os dedos, enquanto ele entrava silenciosamente no quarto.


- Hm, isso daí é Londres... – ele murmurou, como se tivesse chegado a conclusão mais brilhante do mundo, batendo no globo de neve e encarando a réplica do Big Bang que, por acaso, é a minha casa. – Você já foi lá?


- Que nada... minha tia me deu isso aí de presente no Natal do ano passado. – ela respondeu com um tom de voz impessoal, tentando fazer o tipo ‘eu não me apego a coisas materiais’. Até parece.


Ele pegou meu globo e, para minha profunda infelicidade, sacudiu-o.


É sério: ele não tem nenhum boneco de voodoo pra espetar ou um gato pra estripar não?


- Você sabe que é uma garota muito sortuda, não é, Lúcia? – ele perguntou, jogando o globo de neve para ela, que agilmente pegou-o. – Não é sempre que um mestre em bruxaria se dispõe a ir à casa de uma aprendiz contar-lhe tantos segredos.


Ela apenas o olhava, os olhos brilhando em admiração.


- E sabe que vou cobrar meu preço para poder lhe revelar esses segredos, não é?


Senti que o globo, seguro em uma das mãos de Lúcia, tremia.

- Você é virgem, não é, Lúcia?

Epa.


- Não, não, não... – ele apressou-se a dizer, assim que os olhos dela se esbugalharam em pânico. – Não quero sua virgindade em troca dos segredos. – ele riu, tentando amenizar o clima pesado que, acidentalmente ou não, acabou criando. – Eu preciso do seu sangue. Só um pouco dele.


A expressão dela passou de assombro para dúvida.


- Quanto você consideraria ‘pouco’? – ela perguntou. Não acredito que ela estava realmente levando em consideração o que aquele pirado falava. – Tipo, uma gota ou duas.

- Exatamente. – ele disse, aproximando-se. Tragou o cigarro pela última vez e deu um peteleco, jogando-o pela janela. – O suficiente para abrirmos o portal para o outro mundo. Vem aqui. – ele disse, ajoelhando-se.

Ela obedeceu, ainda segurando o globo.


O tal do Heitor começou a desenhar no chão com um pedaço de giz que tinha no bolso. Fez um círculo e uma estrela, uma confusão de símbolos que eu não conseguia identificar.

- Sabe por que eu escolhi você, Lúcia? – ele perguntou, colocando o giz no bolso.

- Por que eu sou virgem? – ela tentou.


- Além disso... – ele olhou para cima, olhos fechados, inspirando o ar como se estivesse em um campo de crisântemos. – Você exala algum tipo de magia que eu reconheço.


Ela, exalando magia? Deve estar de sacanagem.


- Os segredos começam aqui, portanto preciso saber se você será leal e não os contará para ninguém.


- Palavra de escoteiro. – ela disse, animada, levantando a mão livre.


- Há... – ele disse, como se fosse um professor. – ...em nosso mundo, criaturas que regem a magia. São seres que podem parecer insignificantes e pequenos, mas carregam dentro de si uma carga incrível de poder.


- Tipo os gnomos e as fadas?


- Esses são os nomes que eu europeus deram a eles. Eu prefiro chamá-los de seres mágicos, pura e simplesmente. Eu mesmo já tentei pegar uma criatura dessas, mas ele era tão poderoso e cheio de artimanhas que acabou me escapando assim que teve a oportunidade.


Eu não sabia se ria da cara daquele aprendiz de Draco Malfoy ou se prestava atenção às palavras dele. Era uma história bastante interessante, se quer minha opinião.


- Como você sabe de tudo isso?


- A criatura que tentei capturar me contou algumas coisas antes de virar fumaça. Os seres que vivem entre nós geralmente não sabem o potencial que têm, acho que sequer sabem que são mágicos. Na maioria das vezes, cometem algum crime no mundo deles e acabam parando aqui, desmemoriados e trancafiados em algum objeto irrelevante.


Epa, epa, epa. Mil vezes epa. Que papo era aquele?


- E, quando eu estou perto de você, sinto a mesma coisa que sentia quando capturei aquele ser por alguns segundos. É em intensidade menor, como se você exalasse um rastro de magia. Mas agora, aqui dentro, tenho a sensação plena novamente.


- E o que vamos fazer hoje? Tentar pegar uma criatura dessas?


- Eu acredito que ela está aqui no seu quarto, em algum lugar. Eu consigo sentir.


Tudo bem, isso está começando a me assustar. EU vivo em um objeto irrelevante, EU não tenho a mínima ideia de como vim parar aqui e EU tenho certeza que não tenho nenhum poder mágico. Certo?


- Eles são loucos por sangue de virgens. – disse Heitor, puxando a mão livre de Lúcia e tirando um estilete do bolso. – Fique calma, é só uma gota.


Ela estava animada demais para deixar o medo tomar conta dela. Cedeu a mão com tranquilidade, enquanto eu olhava para os dois, cheio de dúvidas.


No instante em que ele cortou o dedo dela, alguma coisa tomou conta de mim. Vi aquela gota minúscula caindo lentamente. Minha respiração acelerou, meus olhos brilharam, senti uma vontade imensa de arrebentar aquele vidro e alcançar o sangue o mais rápido que pudesse.


Foi em uma intensidade tão grande que não me controlei. Corri até o vidro, socando-o com violência, tentando quebrá-lo.


Inútil, é claro.


Lúcia soltou o globo, assustada. Deu até um gritinho.


- Esse troço, sei lá, ele... vibrou! – ela disse, enquanto o globo rolava para baixo da cama. Eu ainda estava inebriado pela cor, cheiro e beleza daquela gota no meio do desenho de giz. – Você está me assustando, Heitor!


Ele enfiou-se debaixo da cama e pegou o globo. Chacoalhou-o mais uma vez – nem dei bola, tão louco estava por aquele sangue –, tentando ver alguma coisa lá dentro.


- Descobrimos... – ele disse. Depois impôs a voz, como um locutor de rádio. – Tudo bem, criatura mágica. Não queremos fazer mal a você.


Ele colocou o globo no meio do desenho de giz metodicamente, como se soubesse exatamente o que estava fazendo, e então uma coisa extremamente estranha aconteceu: eu comecei a brilhar. Na verdade, o globo todo começou a brilhar. Era alguma coisa dentro de mim, tenho certeza. Alguma coisa a ver comigo e com aquele círculo de giz.


De súbito, o brilho apagou-se. O quarto voltou a tranquilidade e ao silêncio, e o cheiro do sangue parecia mudar de direção.


Virei o pescoço, seguindo o odor inebriante.


Os dois estavam na minha frente, do mesmo tamanho que eu, dentro do globo de neve.


- Esse cheiro é maravilhoso... – eu disse, de olhos fechados. Não me perguntava como eles haviam chegado ali nem o que faziam. Só queria o sangue. – Me dê um pouco, um pouquinho só.


- Em troca de uma promessa, criatura. – disse Heitor, como se tivesse ensaiado aquele discurso inúmeras vezes. Segurava o dedo cortado de Lúcia, impedindo que qualquer gotícula de sangue escapasse. A menina estava verdadeiramente aterrorizada, mas eu pouco me importava com aquilo no momento.


- Qualquer coisa, qualquer coisa... – eu disse. – Me dê só uma gotinha, só umazinha...


- Prometa lealdade a mim.


- Tá, prometo, prometo! – falei, sem ao menos pensar. – Agora me dê esse sangue!


- Você o pegará do lado de fora. – Heitor disse, andando até mim lentamente. Eu não tinha ação, comportado, esperando pelo sangue como um bom menino espera para abrir os presentes de Natal.


- Heitor, o que você está fazendo? – Lúcia perguntou. A voz dela soava genuinamente assustada agora.


- Indo embora, querida. – ele disse, soltando-a. Pude sentir o cheiro do sangue saindo da ferida dela. Maravilhoso. – Esperei por esse momento durante muito tempo! Não vou deixar essa criatura escapar como a outra me escapou!


- Do que você está falando, Heitor?


- A outra menina disse que era virgem, mas ela mentiu! – ele disse, aproximando-se de mim e segurando meu braço. Tentei avançar até a garota, mas ele segurou-me com força. – Por isso a outra criatura escapou. Mas essa daqui não vai me escapar, certo, Lúcia? Você não mentiria para mim, mentiria?


Ela arregalou os olhos, em pânico.


- Sangue, eu quero o sangue! – era tudo com o que eu me preocupava.


- Do lado de fora. – ele disse mais uma vez. – Sua lealdade está jurada, não se esqueça. Uma criatura mágica por uma virgem genuína, a troca está feita.


Ao fim das palavras de Heitor, aquela luz em mim brilhou novamente.


Quando abri os olhos, estava ensopado, caído em meio ao desenho de giz no chão. Arrastei-me até debaixo do globo, seguindo
o cheiro daquela gota de sangue.

Heitor acordou logo depois. Pegou o globo de neve e guardou-o no bolso. Não havia nenhum rastro de Lúcia naquele quarto.


- A troca deu certo... – ele murmurou, como se não pudesse acreditar que aquilo realmente acontecera. – Vamos, criatura! Você não vai me escapar como a outra. Agora eu sou seu mestre, não esqueça seu juramento.


Obedeci, assustado com a minha solicitude instantânea. A voz dele era hipnotizante; não havia como dizer não. Fomos embora rapidamente, antes que alguém desse pela falta da garota.


Percebi que havia me metido em uma enrascada das grandes.


Tarde demais para me arrepender, pensei comigo mesmo. Pelo menos não precisava mais me preocupar com o tédio ou com as chacoalhadas eventuais no globo de neve. Lúcia que se preocupasse com elas, a partir de agora.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

"O Vampiro da Mata Atlântica", Martha Argel

Martha Argel é bióloga com doutorado em ecologia das aves, e escreve, entre outras coisas, sobre vampiros. Meu primeiro contato com a autora foi daqueles por acaso, na prateleira de literatura brasileira – onde geralmente vislumbro os livros mas nunca os compro, com medo de me decepcionar. Li, entre Nelsons Magrinis e Andrés Viancos, um livro fino e de capa preta chamado “Relações de Sangue”. Isso foi em 2007, muito antes de vampiros voltarem a ser tema de mesas redondas. O livro me chamou a atenção: dei uma folheada, li o primeiro capítulo, achei-o simpático, mas – medo bobo de sovina – não o comprei.

Então o tempo passou e li que Martha Argel publicaria outro livro, dessa vez intitulado “O Vampiro da Mata Atlântica”. A divulgação foi feita na comunidade “Escritores de Fantasia”, onde – regra vigente nº 1 – quem divulga o livro deve colocar um para sorteio, e – regra vigente nº 2 – quem o ganhasse deveria fazer uma resenha. Pois é, ganhei o livro, e cá estou, resenhando-o.

O livro “O Vampiro da Mata Atlântica” (Idea Editora, 176 págs) é simpático em todos os seus aspectos estéticos. Desde a orelha brilhantemente escrita por Silvio Alexandre, passando pela capa chamativa e com um interessante efeito de movimento, até os seus apêndices sobre a Mata Atlântica e suas particularidades. A diagramação do livro é fantástica e cuidadosa, com pouquíssimos erros. Ponto para a Idea Editora.

Mas vamos ao livro em si. A história gira em torno de dois jovens pesquisadores, Xavier Damasceno e Júlio Levereaux (nome belíssimo, por sinal). Quando Levereaux recebe uma proposta para pesquisar e estudar uma área da Mata Atlântica com potencial para se tornar uma reserva ambiental, não pensa duas vezes antes de chamar o amigo Xavier Damasceno. Juntos, os dois partem em uma expedição que visa encontrar animais ameaçados de extinção.

Já no prólogo, o livro mostra a que veio. Ele é eletrizante. Começa com velocidade, prendendo a atenção do leitor e gerando a curiosidade necessária para que ele vire a próxima página.

Um dos pontos positivos do livro foi optar por um vampiro selvagem, longe dos moldes cavalheirescos de Stoker, Rice e Cia. Aqui, o vampiro é um animal da selva – sem, contudo, ser necessariamente selvagem –, sedento por sangue. Os trechos dos capítulos narrados pela ótica do Vampiro são ótimos, pois mostram que ele, apesar de toda a sede e necessidade de sangue, não é uma criatura desenfreada e irracional. Ao contrário, o texto o mostra como um ser pensante e digno de nota pelos pensamentos que tem. Dentre tantos vampiros educados e bonzinhos, o Da Mata Atlântica se destaca por seu egoísmo e necessidades eminentes acima de qualquer outra coisa.

Partindo para os dois personagens principais: a escolha de dois é significativa. Pelo ritmo do livro, percebe-se que, se mais alguém estivesse ali no meio, talvez a história se tornasse enfadonha. Dois, nessa situação, foi mais do que satisfatório. Aqui, o romance entre homem e mulher foi deixado de lado, dando lugar à amizade entre os personagens centrais – sem, contudo, parecer uma coisa homoerótica ao estilo ‘Lestat e Louis’.

A humanização dos dois é muito bem construída: eles passam longe de serem personagens superficiais ou mesmo sem graça. Ao contrário, mostram sempre com sinceridades seus pontos de vista, que passam pela inicial desconfiança de Xavier acerca dos propósitos de Levereaux até o medo dos dois pelo Vampiro – que não chega a se configurar em pânico, mas mais em dúvida e assombro para a nova situação com uma criatura até então fantasiosa.

O conhecimento de Martha Argel acerca de ambiente, fauna e flora é inegável. Ela mesma o relata no prefácio, falando sobre suas experiências pessoais e da forma como elas influenciaram algumas das passagens do livro. As descrições das matas, grutas e animais é nada mais que perfeita, dando credibilidade para o texto ao mesmo tempo em que nos faz emergir na história. No entanto, senti que esse conhecimento, às vezes, pode ser prejudicial. É claro que não afeta completamente a leitura, mas o excesso de termos técnicos e nomes que, para a biologia, podem parecer corriqueiros, em certas horas se tornam cansativos para os leigos e não-simpatizantes das ciências biológicas.

Outro ponto bem interessante – e do qual vou falar rápido, pra não soltar nenhum spoiler – é o final. A ideia usada foi muito bem feita e utilizada. Mas paro por aqui, ok?

“Ele corria pelo mato rindo como um alucinado. O sangue quente fluía vigoroso por seu corpo, e ele se sentia eufórico, quase como se estivesse bêbado. Suas mãos apertavam contra o peito o produto de seu saque.

Tinha se alimentado. Tinha se divertido. Tinha conseguido roupas novas.

Há muito tempo não se sentia tão bem.

E a farra estava apenas começando. Aqueles dois ainda iam penar muito nas mãos dele, nas longas horas de escuridão que ainda havia pela frente.”

O Vampiro da Mata Atlântica, Martha Argel – Pág. 93

O livro não cativa só por seu cuidado editorial. Ele é, sem sombra de dúvidas, uma das grandes estreias da literatura fantástica do ano. Martha Argel sabe o que está fazendo quando escreve, e é capaz de passar essa segurança ao leitor, que – tenho certeza – devorará o livro da mesma forma que o Vampiro da Mata Atlântica suga o sangue de suas vítimas: deliciosa e desenfreadamente.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Sem título

O melhor texto é aquele sem revisões
A melhor poesia é aquela sem rimas
Sem preocupações com o número de sílabas
Sim
Posso ser mínimo no verso anterior, mas completamente prolixo - mesmo que sem sentido - no próximo
Por que sou o poeta, tenho licenças poéticas!
Não me aborreçam com regras gramaticais!
Estou a par delas; não as sigo porque não quero
.
Não sou subjetivo, tampouco objetivo
Sou claro a quem quiser ver, pensar e entender
Não posso dar meus significados assim de bandeja
Apesar de odiar esses sussurros descabidos
Ora, falemos na cara!
Falemos PUTA QUE PARIU aos cinco ventos
Gritemos COCA-COLA, NIKE, MICROSOFT sem medo de processos
Paremos com essas sutilezas, com esses eufemismos
Sejamos diretos e concisos
Sem regras, sem valores éticos, sem medos
Sejamos nós mesmos; sejamos falsos, mentirosos
Sejamos humanos!
Cultivemos os defeitos!
Afinal, o que seriam os humanos
Senão máquinas orgânicas de defeitos?

terça-feira, 30 de junho de 2009

"Germinal", Émile Zola

O retrato social e natural dos mineiros franceses em um marco na literatura naturalista. É assim que posso começar a definir o genial "Germinal", de Émile Zola. O livro, lançado em 1885, mostra a vida e a miséria em meio a uma mina de extração de carvão. Lá, Etienne, recém-chegado, busca abrigo e emprego, e, com suas ideias revolucionárias e socialistas, tenta mobilizar os mineiros em busca de maior igualdade.

Mas Etienne não é o personagem principal do livro. Nem Chaval, Catherine ou Maheu. O personagem principal é a própria mina e as situações que a permeiam.

O livro é naturalista em sua essência. Conseguimos perceber, através da leitura, todos os pontos principais do movimento. A situação de pobreza e miséria parece não ter início e nem um fim: é uma situação constante e atemporal. No mesmo sentido, os personagens parecem conformados com sua situação de trabalho excessivo, fome e falta de espaço, como se isso fosse inevitável e inerente à sua natureza. Ali ninguém pensa em enriquecer ou em tentar um emprego melhor. Até porque a fome urgente e as obrigações no trabalho conseguem interromper qualquer linha de pensamento.

Mas deixarei de lado as definições naturalistas presentes no livro e passarei a narrativa propriamente dita. A escrita de Émile Zola é envolvente, e, mesmo que algumas vezes possa se tornar excessivamente descritiva, consegue transmitir com clareza suas propostas. Com as palavras, conseguimos sentir o sufoco das minas e das casas de um cômodo com catorze moradores; sentimos arrepio ao ver que eles não terão o que comer no dia seguinte, ou quando vemos que a mesma borra de café está sendo usada durante toda uma semana. Vemos, a todo momento, os traços de selvageria presentes na narrativa. Ali, o homem é como um animal (teoria Darwinista) e, como tal, suas ações eram produto de seus instintos.

"Estava feito; ele tinha matado. Confusamente voltavam-lhe à memória todas as suas lutas, esse combate inútil contra o veneno que dormia nos seus músculos, o álcool lentamente acumulado da família. E no entanto só estava ébrio de fome, mas o longínquo alcoolismo dos pais bastara para matar. Seus cabelos eriçavam-se com o horror daquele assassinato, e, apesar da revolta da sua educação, uma alegria fazia pulsar seu coração, a alegria animal de um apetite enfim satisfeito. Em seguida sentiu orgulho, o orgulho do mais forte. Surgiu-lhe uma visão, a do soldadinho apunhalado, morto por uma criança. Ele também havia matado."

- Germinal, trecho


Outra coisa que incomoda - no bom sentido da palavra - é o contraste social. Enquanto nas minas (onde a maioria do livro é ambientado) a situação é precária e urgente, na casa dos burgueses tudo anda as mil maravilhas. As mulheres usam vestes trabalhadas e caras, comem e desperdiçam, parecem bonecas de porcelana. As filhas do dono da mina, com 19 e 21 anos, parecem crianças na forma de falar e se comportar, enquanto que nas minas, as meninas, com 13 e 14 anos, já se submetem a trabalhos pesados e ao sexo desenfreado nas festas dos mineiros.

Germinal é um marco não só na literatura naturalista, mas sim na literatura mundial de um modo geral. Um genial retrato de um mundo permeado pelas desigualdades sociais e pelo conformismo.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Anel de Fogo

“Eu caí num anel de fogo flamejante
Eu fui caindo, caindo, caindo
E as chamas ficaram maiores
E isso queima, queima, queima
O anel de fogo
O anel de fogo”

- Johnny Cash

As chamas aproximam-se na medida em que o vento sopra. Meus olhos brilham o reflexo alaranjado; a fumaça da grama seca carbonizada tenta asfixiar meus pulmões, mas a noite estrelada e seu ar puro ainda predominam sobre mim. Só não sei durante quanto tempo.

O anel de fogo se estreita.

Tento em vão me desprender da cadeira. As pernas dela estão completamente enterradas no chão, e eu estou amarrado firmemente, numa complexidade de nós impossíveis de serem desfeitos. Olho para os céus, pedindo clemência divina. Um milagre, por favor. Faça um querubim descer dos céus e me desprender daqui, é tudo o que peço. Depois rio de mim mesmo. Por que apelar agora, se nunca acreditei em Deus? Sou uma porra de um hipócrita, é isso o que eu sou.

O vento sopra. Sei que ele é frio, mas tudo o que sinto é o calor das chamas aproximando-se. O cerco está se fechando sobre mim.

De todas as formas de morrer, nunca pensei em alguma coisa como essa. Pensei em morrer com uma bala no peito, um ataque do coração, um suicídio ultrarromântico e dramático, ou quem sabe um assassinato que intrigaria os investigadores – todo aquele lance à la Agatha Christie. Nunca pensei em morrer assim, preso e incapaz, sentado em uma cadeira sem pernas, tentando inútil e pateticamente me desprender. Esperando o fogo consumir minha pele e meus ossos, numa agonia dolorosa que duraria muito mais do que eu poderia imaginar.

Não, eu não podia morrer dessa forma.

As palavras dela voltaram a assombrar meus pensamentos: “sua morte será o pagamento daquela que você causou”. A voz havia sido firme e decidida, com ódio implícito em cada nota. A desgraçada me colocou aqui e depois ateou fogo ao campo. Desculpa perfeita: preparar o solo para a plantação. A filha da puta nunca plantara sequer feijão em algodões, mas essa é a prerrogativa de uma filha de fazendeiro. Ela tinha o ódio necessário para cometer um crime. E eu, o que tinha?

Dúvida, culpa e medo.

Dúvida: por que tanto tempo depois? Não me orgulho do que fiz na época de moleque, mas sei que isso não é justificativa. Mas seis anos depois? Os fantasmas ainda assombravam meus pensamentos, mas eu poderia pensar em qualquer outra coisa. Poderia listar uma infinidade de nomes inimigos, mas ela não estaria nem entre os cinquenta primeiros. Na verdade, ela não estaria na lista de forma alguma.

Culpa: a morte de Luciana. Tomo-a completamente para mim; sei que ninguém mais pode se responsabilizar pelo que aconteceu. Coisas da vida, alguns diziam para mim no dia do enterro – estava tão tonto que nem mesmo sei como lembro –; outros diziam que eram fatalidades, coisas que a gente não podia prever. Mas eu sabia que estavam mentindo. Parecia que eu podia ouvir o que cada um pensava. Cantavam um coro silencioso: ASSASSINO, ASSASSINO, ASSASSINO. A imagem da arma disparando acidentalmente passava em loop na minha cabeça. O tiro, o cheiro de pólvora, o calor do sangue respingado no meu rosto. O tiro, o cheiro de pólvora, o calor de sangue respingando no meu rosto. O tiro...

Medo: apesar do fogo, não tinha medo da dor ou da agonia, nem mesmo da morte. Tinha medo do encontro com Luciana, que eu sabia ser inevitável. Medo do olho no olho, da forma como ela me encararia. Estou com medo de uma alma aterrorizada.

Meus pais e parentes suportariam a dor da minha perda: não seria a primeira nem a última. Mas eu não suportaria encontrar Luciana e tentar me justificar. Ela tinha mais do que amor pela vida: tinha tesão. E eu, como um ceifador inconsequente, simplesmente tirei esse direito dela. Não importa se acidentalmente ou não, o meu fantasma particular sempre estará sussurrando verdades inconvenientes em meus ouvidos. Não poderia me perdoar, mesmo que tivesse esse direito.

O anel agora é estreito. Começo a sentir o suor escorrer por baixo da minha camisa. O ar me sufoca, piedoso, tentando me desacordar antes que o fogo faça seu trabalho maquiavélico de morte. Tento não sucumbir, mas é cada vez mais difícil manter-me acordado.

Então ela chega. Com um vestido de fogo e os cabelos lisos, voando sobre uma fênix com ao menos dez metros de envergadura. A ave pia estridentemente, fazendo meu sangue congelar, mesmo com todo o calor. Ela desce em meio à dança desenfreada do fogo. Suas pegadas fazem marcas no chão ainda imaculado.

Ela tem uma arma nas mãos. Meus olhos querem se fechar, minha respiração quer falhar, mas faço tudo o que posso para não desmaiar sem que ela fale comigo. Porém, ela não fala. Limita-se ao direito do silêncio, vendo minha expressão débil de incapacidade.

Quando ela puxa o gatilho, eu ainda tento – inutilmente – me justificar. Então as coisas acontecem numa velocidade incrivelmente rápida: a bala aproxima-se de mim, mas eu não tenho a capacidade de desviar. Vejo-a se aproximando e não movo um músculo sequer.

Então sucumbo, morto. O fogo toma conta do cenário, mas já não sinto dor. Não grito de desespero nem de agonia, para a decepção de minha algoz.

Ela carrega minha alma nas asas da fênix e sorri para mim. É quando percebo que ela ainda me ama.

Agora posso amá-la sem preocupações. Eu a matei e ela me matou. Estamos quites.