segunda-feira, 26 de julho de 2010

Segunda-feira

Você não é o único, Garfield
Nas segundas-feiras, não sou cortês. Simplesmente não dou bom dia, porque não há motivos para isso. Não sorrio nem agradeço a uma gentileza, não digo bom trabalho ao motorista e ao trocador e nem me interesso em oferecer meu colo para segurar a bolsa de quem quer que esteja de pé no ônibus lotado.

Nas segundas-feiras, tenho o péssimo hábito de acordar de mau humor. Um mau humor que vai se estendendo desde às cinco da manhã até o fim do dia, lá por volta da meia-noite. Segunda é o dia do saco cheio, do 'não-quero-fazer-porra-nenhuma-mas-ainda-assim-tenho-que-fazer', da volta da rotina quebrada nas noites de sexta e sábado, quando você ignora o despertador e pode acordar a hora que bem entender - se você não trabalha aos sábados, é claro.

Nas segundas-feiras, o trabalho parece mais tedioso. Só de pensar que ainda serão quatro longos dias do mesmo ofício, já me canso. Só quero continuar enrolado na minha coberta até o sol estar no meio do céu, esquecer que o mundo existe por vinte e quatro horas e pular direto para a terça-feira.

Odeio segunda-feira.

sábado, 24 de julho de 2010

Complicadas e Perfeitinhas

- Negócio é o seguinte, Lucas: uma mulher, quando diz que não quer alguma coisa, na verdade quer. Os homens é que não conseguem entender isso. Odeio homem que faz o que eu mando. Quero mesmo é algum que diga não para mim.

Não lembro muito bem como a conversa foi parar nesse tópico. Estávamos eu, Bruna – dona da fala acima – e Amanda, todos sentados em uma mesa, conversando sobre tudo e nada ao mesmo tempo, e o assunto calhou a ser relacionamentos. Eu, um inexpert no assunto, resolvi tentar desvendar os mistérios  do mundo feminino simplesmente ouvindo e perguntando.

- Vocês mulheres são complicadas e gostam disso – eu disse – Se a gente não faz o que vocês querem, fazem beicinho e dizem que não gostaram; e se a gente faz, vocês também reclamam! O que vocês querem?

- Caramba, Lucas, vê se entende de uma vez, porque é bem simples: a gente gosta de ser contrariada. Não tem nada melhor do que o homem chegar pra gente e dizer não; no fim das contas, eles sempre acabam fazendo o que a gente quer.

- Ah, é?

- Claro... depois que eles negam e a gente faz beicinho, eles sempre chegam com jeitinho e dizem que vão fazer o que a gente quer. E é muito bom quando eles são carinhosos assim com a gente.

Complicadas? Quase nada!
- Então vocês querem quem mime vocês, é isso?

- Não, Lucas – a Amanda tentou me explicar por A + B, procurando algum tipo de abordagem diferente – A gente gosta que vocês façam o que a gente pede, mas só quando vocês negam antes.

Eu estava completamente confuso. Sempre vi mulheres reclamando quando seus namorados não satisfaziam seus desejos e seus pedidos.

- Deixa ver se eu entendi: quando vocês pedem alguma coisa, querem que a gente não faça para depois fazer?

- Isso! – e a Bruna começou a bater palmas como se eu fosse uma criança de segunda série que finalmente entendeu os fundamentos da multiplicação. – Viu, não é difícil de entender!

Não é difícil de entender?!

Mulheres são complicadas, isso não é mistério para ninguém. São de Vênus, de Saturno, Plutão, Alfa de Centauro, qualquer lugar menos a Terra. Dizem que são fáceis de entender, que têm sempre razão e que os homens é que são o problema do mundo. Mas, sério: como é possível encontrar uma explicação racional para a forma como seus cérebros funcionam? Quando alguém quer alguma coisa feita, qual o sentido racional de dizer não para depois dizer sim?

Talvez eu esteja sendo um pouco frio demais e deixando um pouco de lado a passionalidade. Nunca fui muito do tipo passional, tenho que admitir. Não consigo conceber ideias como essa sem ter minha cabeça transformada em um nó impossível de ser desatado. E quem não teria, com papos tão loucos como esse?

Continuo não entendendo as mulheres e acho que nunca vou entender. E, no fim das contas, elas gostam disso. Gostam desse mistério e dessa incompreensão que temos delas. Divertem-se com as nossas caras de idiotas, essas malditas. Malditas que amamos e que não conseguimos largar, mas ainda assim malditas. Não podiam ser mais simples, essas tais mulheres?

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Leilão Bizarro

Li hoje, em uma simples manchete, uma notícia perturbadora: não, não é a confirmação do fim do mundo nem a Xuxa falando que odeia crianças (pensem em como isso seria traumatizante), mas sim o leilão que será realizado para a venda dos objetos usados na autópsia e no embalsamento do rei do roquenrou, Elvis Presley.

O leilão prova: Elvis morreu
Reverberam os gritos de 'Elvis não morreu!' - e eu aposto que esses serão os primeiros a desembolsar milhares de dólares por um bisturi enferrujado ou uma luva cirúrgica rasgada. Sério, não sei o que se passa na cabeça de gente assim. Qual o propósito de ter uma luva  usada para embalsamar um corpo há mais de trinta anos?

A idolatria a uma personalidade famosa tem limites. Claro, não há nada demais em ser um pouquinho exagerado e mandar importar da Rússia uma versão exclusiva de um single que só saiu por lá, ou mesmo ter fotos do seu astro coladas na parede da sua casa. O problema reside no exagero, como já dizia mamãe quando fazia brigadeiro de panela. Gastar milhares e milhares de dólares pelo simples propósito de 'ter' algo (que, teoricamente, não vale porra nenhuma para o mundo) que um artista usou, cuspiu, se secou ou simplesmente recusou não é normal, não mesmo (nunca esquecerei do leilão do papel higiênico que Paul McCartney disse ser áspero demais para seu estimado ânus).

Gostar de um artista é uma forma saudável de demonstrar respeito e reconhecimento pelo trabalho alheio. Ir a um show, comprar um DVD ou a coletânea exclusiva não faz mal para ninguém. Mas ter uma luva cirúrgica manchada de sangue, um tubo arterial ou um fórceps só podem significar duas coisas: ou você está exercendo uma profissão voltada para a área de saúde ou você é um psicopata frio e calculista.

domingo, 27 de junho de 2010

Grande Vazio

De vez em quando me sinto preso dentro de mim mesmo. Não é uma sensação ruim, na verdade; é como se eu pudesse explorar cada detalhe mínimo de mim mesmo e pudesse dizer de uma vez por todas quem eu sou ou do que sou feito. Não é uma tarefa fácil, no entanto: cada reentrância e cada canto obscuro e cheio de teias de aranha é como um novo filme, uma nova música, uma nova história. Cada partícula tem uma história longa e chata para contar. Posso, em um momento, estar atravessando uma rua de papel sulfite e, em outro instante, estar voando em um céu de gelo liquefeito. Sim, minha mente tem dessas loucuras que ninguém consegue explicar (e acho que deve ser assim com todo mundo).

E por vezes – alguns dias mais do que outros – me pego pensando no Grande Vazio. Um vazio sem nome ou explicação, que chega e aparece sem pedir licença, e que vai embora tão rapidamente quanto vêm. É uma sensação estranha, essa do vazio: é como se você não tivesse motivos para rir, mas mesmo assim risse; sem motivos para chorar, mas mesmo assim chore. Pior ainda é rir chorando ou chorar rindo, como explicar?

O ser humano tem dessas coisas inexplicáveis. Coisas que nem a nossa vã filosofia pode explicar, por mais que tente.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Faca do Mendigo


Hoje vi um mendigo sentado na calçada. Era um mendigo como outro qualquer: sentado de pernas cruzadas no chão, coberto com sua manta imunda e rodeado de seus apetrechos essenciais – entre eles, o resto de uma quentinha que alguém não quis, uma caneca de alumínio cheia de água suja e uma coleção de restos de cigarro encontrados ao longo de seus passeios – ele tinha os olhos perdidos em algum lugar distante. O cabelo era sujo, desarrumado e fétido; a barba, grisalha e desgrenhada, parecia guardar segredos profanos demais para serem desvendados.

Eu não daria muita atenção a ele, não fosse o fato de que o dito cujo tinha uma faca em mãos. Não uma faca daquelas de cozinha, com serrinha e ponta arredondada, mas uma faca de açougue, de cabo branco e lâmina reluzente, que brilhava em contato com a luz do sol. Como ele conseguiu aquela arma, só Deus saberia responder. Deve ter achado no lixo, provavelmente, junto com sua comida e suas roupas, com todas as suas posses e todo o seu ouro. Girava a faca de um lado para o outro, rindo como um louco – ele falava sozinho e gritava vez por outra, mas ninguém nunca lhe dava muita atenção –, cantando uma música de Natal e obrigando todos os transeuntes a atravessarem a rua para que não fossem uma potencial vítima de sua loucura.

Percebi que um policial, ao constatar que o louco ainda não cansara de suas loucuras e que provavelmente ficaria girando aquela faca durante muito tempo, foi até ele. Não sabia muito bem o que fazer ou como agir: a academia nunca lhe ensinara a lidar com mendigos que empunhavam facas no meio de uma tarde ensolarada. Tentou gritar com ele, como se faz com os cachorros vadios, dizendo “Porra, para com essa merda, seu vagabundo!”, mas aquilo não pareceu surtir muito efeito, pois o mendigo continuou com sua diversão particular.

Então o policial resolveu agir. Rápido como uma cobra, pegou o pulso do meliante e bateu com ele no muro de chapisco, obrigando-o a largar a faca. Nisso, uma pequena multidão se juntou aos poucos olhos curiosos para saber o que diabos estava acontecendo. Logo começaram os burburinhos: “o mendigo ia assaltar uma moça com a faca e o policial chegou e parou ele”; “o policial deu a faca pro mendigo abrir uma lata de feijão e o mendigo ameaçou ele”; “o mendigo estava ameaçando o policial e ele resolveu agir”, todos comentando o ocorrido enquanto o mendigo choramingava, sem saber muito bem o que acontecia ou porque todos estavam olhando para ele e lhe dando tanta atenção.

Finalmente o policial conseguiu imobilizá-lo, fazendo cena ao perceber que uma pequena plateia o observava e dizendo teatralmente “está tudo sob controle!”. Todos bateram palmas e vibraram pela coragem e bravura daquele que prometeu proteger e servir. E o mendigo, coitado, foi levado para uma viatura e encaminhado para a delegacia, e apenas posso presumir qual teria sido seu triste destino.

O mendigo seria o assunto do dia para alguns. Mas, para mim, seria apenas a constatação de que ele cometeu o único erro que nunca poderia ter cometido: fez-se perceber em um ambiente no qual tinha tanta importância ou notabilidade quanto uma samambaia ou um hidrante.

sábado, 15 de maio de 2010

A importância da literatura fantástica

Posso estar enganado, mas acredito que cerca de 80 ou 90% dos nossos eruditos literários parecem deixar categorias como fantasia, ficção científica e terror em um patamar marginalizado, como se tais gêneros fossem inferiores a dramas realistas, romances ou metáforas metalinguísticas. O próprio rótulo ‘fantasia’ já vem carregado de inúmeros pré-conceitos: a simples menção ao nome remete boa parte dos leitores mais tradicionais a histórias com magos e dragões, elfos, raios brilhantes e criaturas que, com palavras mágicas, podem resolver quaisquer problemas que se ponham à sua frente.

Negar que a fantasia seja importante para a humanidade é como querer negar a importância da água para a fisiologia humana. Desde cedo, somos criados para acreditar em seres como coelhos que espalham ovos de chocolate mundo afora, velhinhos que descem por chaminés – mesmo quando moramos em apartamentos que mal possuem janelas – e monstros que vivem embaixo da cama, prontos para atacar assim que as luzes se apagam. Impedir que uma criança deixe de crer em monstros, fadas, sacis pererês ou seja lá que sorte de fantasias ela queira acreditar é um desestímulo à sua imaginação.

Mas aí vem a adolescência e, logo em seguida, a vida adulta. É quando os problemas começam a se avolumar, o tempo se escasseia e os sonhos e fantasias parecem cada vez menos importantes para a vida cotidiana. O dinheiro passa a ser o coelho da páscoa e o papai Noel, e os unicórnios e ciclopes já não parecem assim tão interessantes. Tudo o que importa, agora, é conviver com as malezas e as dificuldades da realidade, que parece sempre mais cruel.

E isso acaba se refletindo na literatura. Não é à toa que livros com temas considerados ‘de fantasia’ são sempre (ou quase sempre) taxados de infantis ou infanto-juvenis, não importa sua carga sexual ou os baldes de sangue e vísceras que os personagens espalhem ao longo das páginas. Vender uma história com anjos e demônios para crianças e adolescentes – por mais nebulosas e complicadas que as relações estabelecidas no texto possam ser – é muito mais simples do que convencer leitores mais tradicionais de que aquele livro, que trata de seres sobrenaturais, pode ser tão bom quanto o que aborda a realidade cinzenta da sociedade brasileira.

Parece que há uma convenção preestabelecida ditando que livros dentro desses gêneros são piores do que outros. E, quando uma história, por algum motivo qualquer, carrega em si alguma característica fantástica, suas qualidades são sempre atribuídas às metáforas e mensagens que passam. Tomemos por exemplo o livro de José Saramago, ‘Ensaio sobre a cegueira’. Há alguma dúvida de que o livro seja de fantasia? Não para mim. Vejam: em uma cidade sem nome, uma epidemia de cegueira branca afeta a população, que passa a ter de conviver com suas novas limitações de vida. A sinopse me parece bastante fantasiosa, mas o livro, com toda a sua crítica positiva e a legitimação de um prêmio Nobel, nunca foi rotulado como ‘de fantasia’.

Aí está. Sim, considerado ‘Ensaio sobre a cegueira’ um livro altamente fantástico, mas isso não tira nenhum de seus méritos. Porque, no fim das contas, a fantasia serve para isso mesmo: passar, através de outros meios, uma mensagem. Seja de esperança ou desesperança, de luta, honra, coragem ou uma crítica social mascarada de ficção científica. Dizer que fantasia é ruim porque é ‘irreal’ é ter uma mente extremamente fechada a diferentes tipos de exposição de uma ideia. Querer crer que os livros considerados ‘realistas’ ou ‘não-fantásticos’ sejam, por excelência, melhores do que os considerados ‘fantásticos’, julgando apenas o gênero no qual se encaixam – ou no qual algum editor o encaixa – é extremamente prematuro e, arrisco a dizer, até mesmo uma proposição idiota.

Ninguém esquece os monstros no armário e o medo do que poderia acontecer quando as luzes apagavam. E crescer continuando a acreditar que monstros podem servir de lição a ponto de se tornarem tão importantes para expor uma ideia é acreditar que a fantasia é – e ela o é, de fato – tão importante para a literatura quanto qualquer outro tipo de gênero literário.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

"Feliz Ano Novo", Rubem Fonseca

Nunca dei muito valor aos autores nacionais. Não sei exatamente o motivo: se é um tipo de repulsa involuntária, se descaso ou simplesmente falta de publicidade ou preços acessíveis aos livros brasileiro. No fim, tudo não passa de desculpas esfarrapadas, eu sei. Por isso estou tentando reverter esse processo degenerativo.

Já ouvi o nome Rubem Fonseca uma dezena de vezes – o cara é um dinossauro da literatura brasileira e seus livros são muito bem vendidos e criticados, obrigado –, mas parei realmente para prestar atenção ao nome após uma entrevista da escritora do livro ‘Gonzos e Parafusos’, Paula Parisot. O repórter fez uma pergunta acerca da troca de Rubem da editora Companhia das Letras para a Record, uma fofoca literária que dizia que a autora era a culpada pela tal troca. Ela disse que não e nada mais a declarar. Mais tarde, durante o tal do ‘bate-bola-jogo-rápido’, o repórter pergunta a ela: Raymond Chandler ou Rubem Fonseca?, e ela, rindo, responde: alguma dúvida? Rubem Fonseca!

Aí está. Não, nunca li Raymond Chandler – uma deficiência que pretendo suprir o quanto antes –, mas sou fascinado pela estética noir e pelos romances policiais. Tal comparação atiçou meus neurônios para ler o tal Rubem Fonseca. Nunca tinha lido nada nacional que rodasse no tema da literatura policial, e como precisava ter uma ideia de como giram os personagens pelas marginais paulistas e calçadões cariocas, resolvi que seria uma boa ideia lê-lo.

Comprei o livro que agora tenho o prazer de resenhar, ‘Feliz Ano Novo’, juntamente com ‘Agosto’, do mesmo autor, ‘Ed Mort e outras histórias’, uma coletânea de contos de Luis Fernando Veríssimo e um outro que já não me recordo o nome, sobre a história de Zuzu Angel, todos rodando pelo tema policial. Resolvi ler ‘Feliz Ano Novo’ em primeiro lugar. Não posso dizer que me arrependi. Nem um pouco.

O livro é uma união de contos, uns maiores, outros menores, mas todos muito rápidos, transitando sobre temas um tanto quanto impactantes a primeira vista: logo no primeiro conto – que dá título ao livro – somos apresentados a um bando de ladrões que discute irrelevâncias antes de partir para algum assalto na véspera de ano novo. Logo segue-se a ação, com uma sequência final bastante, er... não há outra palavra: impactante.

O livro gira em torno de ladrões, prostitutas, homens mal-amados e incompreendidos, mulheres inconsequentes e amarguradas. Não há um continuum ou algo que ligue os contos além da imundície – seja ela literal ou subjetiva – onde os personagens se encontram mergulhados: sempre desesperançosos, sempre à beira de um colapso ou sem um tostão no bolso. Os contos são bruscos, um choque à pacificidade do dia a dia, uma chacoalhada nos nervos e nas opiniões sobre quem pensa que o mundo é um lugar colorido e bonito de se viver.

‘Feliz Ano Novo’ é um livro que deixa atrás de si marcas para quem lê: seja para quem mastiga cada conto e extrai dele todos os seus significados e simbolismos, seja para quem – como eu – lê apressadamente no ônibus, com fones no ouvido e pessoas conversando em todos os lados. Não creio que o livro tenha uma mensagem definida ou alguma lição de moral para ser passada, não acredito que seja sua função, mas creio que, mesmo involuntariamente, ele deixa nem que seja uma nota de rodapé no subconsciente da gente: ‘o mundo não é bonito, fique sabendo. Ele é um lugar cheio de dores e de gente pronta para te sacanear à mínima piscadela. Portanto, fique alerta’.

Um soco na boca do estômago, acho que essa é a melhor forma de tentar definir o livro ‘Feliz Ano Novo’. Não é à toa que se trata de um livro altamente lido e bem criticado. Vale a pena ler cada parágrafo.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sobre minha ausência e Porto Alegre

Eu tinha a pretensão de escrever um post mais extenso antes da minha viagem a porto alegre - até o escrevi em uma lan house, mas infelizmente o arquivo foi sumariamente deletado devido a um erro no computador defeituoso.

Agora não tenho muito tempo, então tentarei ser o mais breve possível :)

Estou ausente da internet durante esses dias por conta de um problema técnico e muito simples: meu computador quebrou e não tive tempo de levá-lo ao conserto. Depois inventei viajar para Porto Alegre: decidi viajar na segunda e o ônibus saía na terça.

Vim participar do EREBD: Encontro Regional de Biblioteconomia e Documentação, que está acontecendo até sábado na UFRGS para todos os estudantes de biblioteconomia do Brasil. Entre banheiros químicos mal-cheirosos, desconforto por dormir em uma quadra sobre um colchão inflável e ter que tomar banho em um contâiner, estou adorando a cidade. Faz frio e chove muito, muito mesmo, mas ainda assim gosto. É uma cidade um tanto quanto cinza, com táxis vermelhos (vermelhos!) e um sotaque ao mesmo tempo gostoso de ouvir e estranho de tentar reproduzir.

Bom, atualizações feitas, tenho que ir. Meu tempo está acabando e ainda tenho que jantar antes que o refeitório feche. Boa noite!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ela Voltou

Passa tanto tempo que a gente acaba se esquecendo, mas isso é normal, mazelas do tempo - que passa como raio, sem dó nem piedade. Quando a gente vê, já não se vê faz uns anos; quando a gente percebe, não se entende mais. Parece que quando nos olhamos somos só dois estranhos que se esbarram pela rua por puro acaso do destino.

Destino arteiro, de querer lembrar o que passou; de imputar um bocado de culpa pela falta de procura; de fazer lembrar um passado que não volta. Cacete, esse destino tinha que me trazer você de volta?! Antes não trouxesse e estaria eu preocupado com outras coisas: com meus probleminhas cosmopolitas e meus novos amigos, com meus livros não lidos e com minhas músicas repetidas. Diacho, destino, porque me trouxe ela de volta?

domingo, 4 de abril de 2010

O Dia em Que Matei Minha Musa

Fazia sei lá quantos dias que eu não escrevia. Então, decidido a continuar o ofício masoquista de escritor amador – que dá pouco ou nenhum retorno ao trabalho árduo de pensar, repensar e duplipensar naquilo que se deve escrever –, sentei-me na cadeira, pronto para qualquer ideia que me viesse em mente.

Logo percebi que não havia nenhum assunto interessante sobre o qual abordar. Falar sobre o quê? Copa do mundo? Olimpíadas? Final do Big Brother? Relação Brasil-Irã? Nada daquilo me pareceu interessante o bastante, até porque todos já estavam falando sobre isso. O que eu poderia acrescentar?

Comecei a me irritar por tamanha improdutividade. Não que isso nunca tivesse me ocorrido antes – passo longos e ociosos períodos sem escrever uma palavra sequer, apenas olhando para o teto e cantarolando, pensando em não pensar e esperando qualquer inspiração divina me atingir como um raio e me obrigar a escrever –, mas eu nunca havia me sentido tão frustrado assim. Era como se o meu tão nobre ofício deixasse de ter importância, como se não-escrever fosse uma opção muito mais racional do que escrever para não ser lido.

“Problemas, Lucas?”, a minha musa me perguntou, aparecendo (finalmente!). Puxou uma cadeira e se sentou. Ela sempre aparece nesses momentos oportunos, e eu não nego a sua presença. Ela levantou as saias para cruzar as pernas, deixando à mostra aquele pequeno pedaço de erotismo que tanto me agradava. “Parece que as coisas não estão indo tão bem”, ela disse.

“Não estão, Musa”, eu cocei o ouvido com a ponta do lápis, um hábito nojento e mal educado, mas ainda assim extremamente confortador e agradável. “De novo aquela mesma merda de sempre. E eu aqui me perguntando se o problema sou eu ou se você simplesmente está se tornando frígida”.

“Autch”, ela disse, sorrindo. “Você sabe tão bem quanto eu que não precisa ser tão rude assim”.

“E você sabe tão bem quanto eu que não precisa ser tão ausente assim. Você nunca me deixou na mão durante tanto tempo, Musa. O que está acontecendo?”

“Acho que eu finalmente percebi que não vale a pena continuar por aqui, te dando tanto apoio”, ela sempre sorria, como uma psicopata que não se preocupa com o impacto de suas palavras ou ações. “Quando eu estou aqui, pronta para você, pronta para te dar tudo o que tenho, você simplesmente me ignora. Diz que está com preguiça, que a ideia não é tão boa assim, que vai dormir ao invés de pegar uma porra de um lápis e escrever o que eu estou ditando. Isso me cansa, Lucas”.

Ela dizia tudo isso sem alterar a voz. Exatamente do jeito que gosto, sendo levemente sutil e ao mesmo tempo extremamente rancorosa, usando todas as qualidades que lhe atribuí contra mim. Uma grandessíssima filha da puta, senhoras e senhores.

“E quando eu estou disposto a escrever qualquer coisa que você queira me dar”, eu disse, “você simplesmente some sem deixar nenhum vestígio ou telefone para contato. Convenhamos: você é tão filha da puta quanto eu”.

“Ninguém é perfeito. A diferença é que eu me esforço para ter ideias. Você simplesmente as usa.”

“E você adora quando alguém fala bem das suas ideias, sua narcisista”.

“Essa não sou eu, é você”.

“Você vai ou não vai me ajudar dessa vez? Estou realmente com vontade de escrever”.

Ela se levantou, passando as mãos pelos cabelos lisos e castanhos, me olhando com certa dúvida, como se ainda não estivesse cem por cento convencida de que eu estava falando a verdade. Foi até minhas costas, passando as mãos pelos meus ombros e desarrumando meus cabelos. Sussurrou no meu ouvido languidamente, como se estivesse à beira de um orgasmo.

“Não dessa vez. Eu gosto quando você está em agonia”.

“Não se esqueça de que você me pertence, não o contrário”, eu respondi no mesmo tom de voz baixo.

“Você precisa de mim, Lucas, não tente negar. Suas melhores histórias só existem por minha causa”.

“Você se supervaloriza demais, Musa. Pena que não é verdade”.

“Você me supervaloriza, não o contrário”.

“Estou começando a ficar extremamente irritado com você”.

“Ah, é? E o que você vai fazer a respeito?”

“Te mandar embora seria uma boa ideia”, eu disse, fechando o caderno. “Eu posso sobreviver sem você, Musa. Mas você não é ninguém sem mim”.

“Isso não é verdade, você sabe disso. Quando eu for embora, você se consumirá numa agonia tão completa e total que escrever será a única saída. E você não vai conseguir escrever, porque eu não estarei aqui para ajudar”.

“Acho que não preciso mais da sua ajuda”.

“Aí é que você se engana. Você não é nada sem mim, por mais metafísica que eu seja”.

“Eu vou tentar a sorte”.

“Você vai se arrepender disso tudo”.

Ela se assustou ao perceber que eu falava sério. Sumia pouco a pouco, os olhos em desespero.

“Eu já estou arrependido”, eu disse, vendo-a dissolver-se no ar até se tornar um leve sopro de névoa fina.

Voltei ao silêncio, olhando para o caderno fechado a minha frente, completamente seco de ideias. Tinha certeza de que não conseguiria escrever.

Coloquei água para ferver, liguei a televisão e comecei a ver um filme pela metade, como se aquilo fosse me dar algum conforto.

A inspiração havia ido embora para sempre e eu, como Bartleby, simplesmente havia desistido de qualquer coisa.

Mas então pensei, num sopro de inspiração – como se ela sussurrasse aos meus ouvidos: por que não escrever sobre a morte da minha musa?

Foi a primeira história que escrevi sem a ajuda dela, mas ainda a ouço dizer: “Se não fosse por mim, você nunca teria escrito essa história”.

Puta.

Ela tem razão. Eu preciso dela.

“A vantagem de ser metafísica”, ela me disse, puxando uma cadeira e sentando-se novamente, “é que eu não posso morrer”.

Ela sorri para mim no momento em que acrescento este último parágrafo, satisfeita por ter seu valor reconhecido. Sentada ao meu lado, saia levantada e pernas à mostra, ela olha para as palavras, reclamando do tamanho exagerado do texto. “Se eu estivesse aqui, resolveríamos tudo em menos de dois mil caracteres. Mas isso você aprende com o tempo. E com a minha ajuda, é claro.”

domingo, 28 de março de 2010

Lançamento: Aura de Asíris - A Batalha de Kayabashi

Ainda não li esse novo lançamento da literatura fantástica brasileira, mas já já entrará na minha lista de espera. Assim que estiver lido, deixo aqui o meu parecer sobre a obra. Enquanto isso, segue o release do livro "Aura de Asíris - A Batalha de Kayabashi", do escritor - e amigo virtual - Rafael Lima. Espero que gostem!


Disponível! - Aura de Asíris - A Batalha de Kayabashi

O livro Aura de Asíris - A Batalha Kayabashi, um épico tecnofantasy escrito pelo publicitário carioca Rafael Lima e com referências como Star Wars, Final Fantasy e Dragon Ball Z, já está disponível nas melhores lojas físicas e virtuais do país.

Confira a sinopse:

Duas raças. Um só mundo e destino. A aventura começa.

Há séculos, banshees e furous guerreiam ao norte de Asíris, mundo governado por uma avançada tecnologia e permeado por uma energia chamada Aura. Apesar dos banshees terem vencido a maior parte das batalhas, algo está para mudar.

Uma antiga lenda, que prevê o nivelamento de forças entre as duas raças e, consequentemente, o fim desta que é conhecida como a Grande Guerra, aparenta ser verdadeira quando os furous inexplicavelmente se tornam mais poderosos e capazes de derrotar seus inimigos pela primeira vez na história.

A partir daí, uma batalha sem precedentes eclode em uma região conhecida como Deserto de Kayabashi. Neste cenário de tensão e expectativa surge Yin Ashvick, um menino de doze anos que pode ser a única esperança de todos. Ele terá que enfrentar uma longa e perigosa jornada, a qual colocará a prova sua coragem, altruísmo e determinação.

Para isso, terá a ajuda de seu mestre, Hanai Ashvick, o general do exército banshee, Irwind Heatbolth e outros personagens bastante carismáticos. Cada um terá que encarar seus piores temores para descobrir a verdade por trás da onda de terror que assola sua terra e pôr fim na grande ameaça que se aproxima.

Para comprar Aura de Asíris - A Batalha de Kayabashi acesse:
http://www.auradeasiris.com/comprar.html

Todas as informações sobre a obra também no site.

terça-feira, 23 de março de 2010

"Annabel & Sarah", Jim Anotsu


Quando ouvi o nome de Jim Anotsu pela primeira vez, logo pensei: ‘ora, então a editora Draco, dando os primeiros passos no mercado editorial brasileiro, já resolveu apostar em traduções de autores internacionais?’ Feita uma rápida pesquisa, logo descobri que Jim Anotsu, apesar de viver sob as pontes de Londres (correção: pontes de Seattle, como o Jim disse no comentário. Confundi criador e criaturas :P) e cuidar de seu cachorro Humbug, é o pseudônimo de um autor nacional.

Logo fiquei com os dois pés atrás, me perguntando qual era a finalidade de um pseudônimo como aquele: confundir os leitores, fazendo-os pensar que o livro é uma tradução e, com isso, tentar uma jogada de marketing para vender mais exemplares? Ter medo de mostrar o próprio nome, preferindo, ao invés disso, usar um pseudônimo que soasse melhor do que um sobrenome brasileiro comum? Talvez isso, a princípio, tenha me deixado um pouco receoso quanto ao livro em si.

Puro preconceito.

Após o lançamento oficial do livro, descobri que ele estava sendo muito bem recebido pelos leitores, com ótimas resenhas e críticas. Estava pronto para adquirir um exemplar, mas, para a minha surpresa e satisfação – e antes que eu enfiasse as mãos nos meus bolsos furados – fui premiado com um exemplar no sorteio da comunidade do Orkut “Escritores de Fantasia & FC”. Via de regra, devo fazer uma resenha para compensar o ganho do exemplar.

Tudo bem, eu a faria de qualquer forma mesmo.

O livro “Annabel & Sarah” (Editora Draco, 156 páginas) narra a história de duas irmãs gêmeas, mas muito diferentes. Annabel é uma rock’n’roll girl, com cabelos tingidos de preto, All Star sujo e uma personalidade extremamente sarcástica e irônica; Sarah é a menina que todo o pai pediu a Deus: calma, cálida, bela, extremamente educada e correta. Filhas de pais separados – Sarah morando com a mãe e Annabel com o pai – as duas são surpreendidas quando Sarah é seqüestrada por uma televisão e vai parar em um universo paralelo onde todos devem ser sempre felizes. Agora Annabel precisa unir forças a um lobo detetive e partir em busca da flor Amor-Perfeito, única coisa capaz de salvar Sarah.

A sinopse é, por si só, eletrizante. E o livro faz jus à sinopse: carregado de cenas de ação, ele te leva para os mais absurdos – e criativos – lugares. Sarah, em um mundo onde todos devem ser felizes (o que me lembra, a propósito, um episódio excelente do desenho “Os Padrinhos Mágicos”), comendo tortas de morango que aumentam o ânimo e tendo que lidar com fiscais que denunciam qualquer um que ouse derramar uma lágrima ou apresentar qualquer sinal de tristeza; Annabel, em contrapartida, para em um universo beat e noir, onde animais falam e humanos são mero rebanho para a alimentação. Lá, ela se une ao lobo Op Spade, detetive arisco e mal-encarado que aceita ajudar Annabel por intermédio de uma raposa chamada Dean Chinaski.

Não poderia deixar de comentar sobre as referências do livro: Chinaski, rua Kerouac, Spade, rua Bukowski, nomes de capítulos como “Corra, Sarah! Corra!”, citações a bandas, filmes e séries de TV... tudo casa extremamente bem com a atmosfera do livro. Em momento nenhum as referências parecem forçadas; muito ao contrário! Conseguimos, a partir dessas referências – que devemos pescar ao longo do livro, uma vez que nenhuma delas é completamente explícita – descobrir alguns dos gostos do autor (se do Jim ou do autor por trás do Jim nunca saberei dizer) e suas influências, que não são poucas.

Mas como nem tudo são amores-perfeitos e não se pode ser eternamente feliz, consegui captar algumas falhas ao longo de “Annabel & Sarah”: a principal talvez seja a pouca profundidade das personagens, de um modo geral. Mesmo que os artifícios do interlúdio tenham sido extremamente inteligentes para mostrar um pouco do relacionamento das duas irmãs, senti que outros personagens com histórias muito boas – como Op Spade, Ava Hepburn e Estrela-da-Manhã – poderiam ter as suas histórias um pouco mais aprofundadas. Op Spade me pareceu tão-somente um lobo rabugento e Estrela-da-Manhã uma menina birrenta.

Senti também que rolou um pequeno anticlímax na hora fatídica em que Sarah é sugada pela TV: tudo acontece muito rápida e repentinamente. Se o texto fosse em primeira pessoa, acharia esse artifício interessante, mas, por ser em terceira, acho que o narrador poderia se demorar um pouco mais antes que ela fosse tragada para o mundo de Allegria.

Outra pequena falha se deve à revisão: apesar de poucos, alguns erros – principalmente os de concordância – se tornam chatos com o passar das páginas. Mas não sou o melhor do mundo com gramática, portanto não posso reclamar muito quanto a isso.

No fim, temos a sensação de termos mergulhado em dois mundos completamente diferentes e divertidos, apesar de seus perigos. “Annabel & Sarah” é um romance delicioso, uma completa surpresa por se tratar de um autor nacional e tão jovem com tamanho tato para a fantasia e originalidade para a história.

No mais, coloque o CD “Favourite Worst Nighmare” do Arctic Monkeys para tocar e delicie-se com esse livro belíssimo e sensacional (eu não sei o motivo, mas sempre que vejo essa capa, a música “Teddy Picker” começa a tocar na minha mente. Acho que tenho que me tratar).

sábado, 20 de março de 2010

Perdão


Os sinos deixaram no ar uma música que fazia até mesmo os anjos se arrepiarem. Sobre o átrio da igreja, uma senhora de setenta anos varria as folhas outonais, numa solidão silenciosa embalada apenas pela sequência metálica e angélica que reverberava por toda a cidade. Não se ouvia nada além daquele som: até mesmo os pássaros suspendiam seu canto; o vento freava momentamente o som que fazia ao balançar as folhas secas, retirando-as do conforto de seus caules; as crianças paravam a gritaria do futebol e as senhoras fofoqueiras suspiravam, cedendo um segundo precioso de silêncio aos seus discursos pérfidos.

Às sextas-feiras a missa começa apenas as oito, e contavam ainda duas da tarde. O sol se estampava em um céu sem nuvens; o calor intenso imprimia um ambiente instável de chove-sol-chove que ninguém conseguia entender, por mais que os ambientalistas tentassem explicar. Sob sua batina negra de quem nega os prazeres da carne e esconde as suas – como uma penitência pelos pecados que ainda virá a cometer –, o padre suava. Os poros gritavam por um pouco de ventilação, as gotas convertendo-se em minúsculas cascatas que deslizavam por sobre a testa saliente, dissolvendo-se na roupa pesada.

O padre contava ainda vinte e oito anos, sendo um dos mais novos que já havia passado por aquela igreja. Tinha olheiras profundas que só um viciado em cafeína poderia nutrir e reconhecer, olhos leitosos de quem passa muito tempo analisando palavras miúdas e se nega a usar um par de óculos ou lentes de contato, mãos calosas de quem, ao contrário do que possa parecer, não gasta horas na academia, mas sim na construção de casas para necessitados durante as semanas onde as obrigações com a igreja não são tão urgentes. Um ser incorruptível, dono de um sorriso manchado que gerava risinhos das mais novas e maus olhares das mais velhas – “ora, ele deve andar por aí a se esfregar com menininhas iludidas que o tomam por uma diversão”, ou “ele é um menino bom demais para não ter nenhum defeito, deve andar por aí alisando os coroinhas sem fazer cerimônias, tudo às escuras, como o demônio gosta de fazer as coisas”, os comentários indo e vindo silenciosamente, mas os sorrisos bobos e falsos de admiração, as mãos beijadas numa humildade beata e os conselhos encorajando-o a manter-se sempre íntegro e bom como sempre foi e sempre deveria ser só aumentavam. E o padre, realmente inocente de todos os pecados que lhe imputavam, acreditava piamente que tudo aquilo era sinceridade santa, que Deus havia posto aquelas mulheres e homens naquele lugar para dar-lhe conselhos tão bons porque era misericordioso e sabia reconhecer todos os seus méritos como discípulo de Pedro.

Estava sentado sobre um dos bancos da igreja, aproveitando aquele raro momento de paz em que o sino badalava para conversar com Deus. Tinha o hábito de sentar-se pelo menos duas vezes por semana naqueles bancos envernizados cheios de chicletes nas partes de baixo, quando a paróquia estava fechada, longe das loucuras dos domingos ou da legião de senhoras que vinha sempre rezar seus terços e cantar seus cânticos aos santos devotos e à virgem Maria. Ele fechava todas as janelas e a porta, ficando só, encarando a face ensanguentada do Cristo, que pendia na parede atrás do altar, olhando-o com uma expressão de tristeza misturada à piedade. O calor era insuportável, mas o padre dizia a si mesmo que o inferno não teria tanta complacência quanto às paredes daquela igreja, portanto a temperatura era suportável.

Tinha os olhos fechados, na metade de um salve rainha, quando a porta da igreja vibrou estrondosamente. Alguém batia do outro lado. Batia freneticamente, sequenciadamente, pronto para derrubá-la se assim fosse necessário. Alguém gritou, um grito cortante que se sobrepôs à última badalada do sino, tirando os pássaros de seu silêncio e o vento de sua letargia, fazendo o padre abrir os olhos em um sincero questionamento que ora tendia ao aborrecimento ora à preocupação. Respirou fundo, coçou a cabeça, secou a fronte e foi ver o que diabos estava acontecendo. Ninguém tinha o hábito de bater na porta do padre com tamanho desespero e urgência. Alguma coisa poderia não estar certa.

Tirou as chaves dos bolsos e abriu o cadeado que ficava entre as argolas de aço da pesada corrente. Desenrolou-a da porta da igreja – se perguntando por que ainda não haviam colocado um ferrolho ou uma chave tradicional naquela porta – e jogou-a para o lado, abrindo as portas duplas com violência. A luz do sol penetrou sem cerimônias, cegando o padre que até então se mantinha na penumbra dos vitrais translúcidos, e tudo o que ele pode ver foi um vulto alto caindo ao seu peito, pedindo ajuda e chorando como apenas os bebês esfomeados ou os recentemente enlutados choram. Tinha as mãos viscosas de quem derramou lágrimas demais, mas bastava um olhar mais atento para perceber que aquilo não eram lágrimas. Eram mãos rubras, manchadas de sangue.

O homem tinha uma faca nas mãos. E tinha as mãos manchadas de sangue.

- Padre, me perdoe, pois eu pequei.

Ajoelhou-se e chorou desesperadamente, atingido por uma dor desconhecida que o corroia por dentro e o insuflava a chorar cada vez mais. Caiu, deitado em posição fetal no meio do corredor, os olhos voltados para o altar. Jesus crucificado o encarava.

As pessoas não tardaram a aparecer pela porta. Primeiro, curiosos por conta do barulho das batidas na porta; depois, curiosos com os gritos lacrimosos do homem, como o presságio funesto de algum acontecimento importante. Logo, a porta da igreja estava repleta de olhos desocupados, pescoços espichados e expressões que transitavam entre a estupefação completa e a desaprovação. O padre fechou as portas sem pedir licença, deixando um sabor de curiosidade insaciada nas gargantas da pequena cidade.

- Padre! – gritou alguém do outro lado. – Ele está armado!

- Eu já vi! – o padre gritou em resposta. – Vão embora daqui, ele veio se confessar!

Mas ninguém iria embora dali até que todas as respostas estivessem saciadas, e o padre sabia muito bem disso. Suspirou, passando as mãos pelo rosto para tentar recompor-se do susto antes de voltar-se novamente para o homem.

O homem das mãos ensanguentadas agora já estava mais calmo. Havia se arrastado até um dos bancos, absorvido em seus próprios pensamentos atormentados, olhando para um lugar incógnito com olhos vazios daqueles de quem faz uma análise de sua própria alma. Brincava com a faca entre os dedos, mecanicamente.

- Dê aqui essa faca. – pediu o padre ainda de longe, com medo de um acesso nervoso do homem e um ataque eminente.

Sem reclamações – na verdade, sem nem mesmo uma palavra sequer – o homem estendeu a faca e entregou-a de bom grado, tremendo.

- Isso mesmo. Agora me conte, o que aconteceu?

O homem tinha as palavras engasgadas. Tentava falar, mas tudo o que saía de sua garganta eram gemidos ininteligíveis e sofridos, trêmulos como suas próprias mãos. Os anjos das pinturas e dos vitrais, as esculturas aos sopés das janelas, os próprios querubins bordados na toalha de mesa que cobria o altar, tudo parecia silencioso e atento àquelas palavras, prontos para a decisão que o absolveria ou o levaria para o inferno. Eram olhos de Deus transformados em criaturas inanimadas e intimidadoras, gárgulas traçadas nos mais belos desenhos, longe dos moldes góticos e funestos.

- Vamos, homem. – o padre tentava encorajá-lo. Agora, como o homem tivesse apenas as lágrimas que desciam de seus olhos como arma, o padre tinha coragem para se aproximar. Sentou-se ao seu lado, postando uma das mãos em seu ombro esquerdo, apertando-o com força, transmitindo sua coragem. – Vamos, diga-me o que aconteceu. Vejo que está arrependido, só resta que me confesse o seu pecado. Você matou alguém?

Sabia da verdade daquelas palavras no momento em que vira aquela faca. Sim, aquele homem havia enfiado aquela lâmina fria no peito de alguém, quanto a isso não restavam dúvidas. O sangue, a faca e o nervosismo do homem já eram provas suficientes para que nenhum investigador seguisse por outra linha de raciocínio.

O homem, tal como uma criança mal-criada pega em suas travessuras, apenas acenou em concordância com a cabeça, olhos abaixados de quem finalmente teve seu segredo revelado.

- Não se preocupe. Deus é infinitamente bom, homem, ele há de te absolver. Agora me conte o que o levou a fazer isso. Não precisa ter medo, não sou seu juiz, não irei te denunciar ou fazer qualquer coisa para te prejudicar.

O homem soluçava, abalado e ainda nervoso. Nem mesmo o peso da verdade saiu-lhe das costas. Ao contrário, pareceu-lhe um fardo ainda mais pesado. Fez com que ele chorasse ainda mais sonoramente, com mais sofreguidão. Deitou as mãos sobre os olhos, manchando as bochechas de sangue e diluindo-o nas lágrimas constantes.

Com dificuldade, o homem conseguiu articular as palavras que mudaram completamente a expressão do jovem padre.

- Ele... seu irmão... me perdoa, padre, me perdoa... por favor, me p-perdoa.

Chorava como apenas os verdadeiramente arrependidos choram; não por convenções ou teatralidade barata. Chorava com uma dor que o corroia, que o levava à loucura, ao caso de pensar em se matar para tentar amenizar um pouco a dor que pouco a pouco acabava por matá-lo. Jogou-se no chão, ajoelhado e humilhado, jurando por todo o amor de Deus que o que acabara de fazer – o sangue ainda estava fresco em suas mãos – fora extremamente amargo, com um gosto eterno de fel que ainda estava em sua garganta.

- Do que está falando, homem? – o padre tentava não ligar os pontos, numa burrice consciente. Ouvira perfeitamente as palavras daquele homem, sabia com toda a certeza que aquele sangue que o manchava era um pouco de seu próprio, mas, ainda assim, numa sucessão de atos irracionais, tentava convencer a si mesmo de que ouvira errado, que alguma coisa pudera milagrosamente ter entrado na boca do homem e atrapalhara-lhe a dicção. Ah, como ele queria que aquilo não fosse verdade!

- Seu irmão, padre... eu, e-eu o matei. Por favor, rogo seu perdão!

Abraçou os tornozelos do padre, beijando-lhe as botinas recém-escovadas e molhando-as com suas lágrimas salgadas. O homem fora claro e direto. O peito do padre comprimiu-se, num misto de vazio e incredulidade; seus olhos buscaram em vão algum conforto, uma imagem que pudesse dar um pingo de coerência àquela cena que se desenrolava a sua frente. Mas tudo o que recebeu em troca foram aqueles olhos gélidos de Jesus e de seus anjos, que o afogavam e comprimiam, esperando uma resposta aos atos hediondos daquela criatura miseravelmente posta aos seus pés.

O que fazer, no fim das contas? Agir como um ser irracional, deixar-se levar pela passionalidade e enxotá-lo igreja afora, onde uma horda de curiosos esperava impacientemente por respostas? Pô-lo sobre o genuflexório e mandar que rezasse para que redimisse seus pecados? Ou, por fim, agir como se não fosse o seu irmão, carne de sua carne e sangue de seu sangue, que havia acabado de morrer nas mãos daquele assassino, e perguntá-lo friamente os comos e porquês, como um bom psicólogo faria?

As opções vieram em um milésimo de segundo onde o ar foi suspenso e até mesmo os curiosos pararam com seus murmúrios – ou assim pareceu. O que fazer, Deus, me ajude! O que devo dizer, o que devo fazer, oh, por Deus, o que devo fazer?

Nunca havia sido muito próximo de seu irmão. Lembrava-se com amargura de, quando pequeno, sempre sair chorando das brincadeiras com os meninos mais velhos da rua, que o puxavam pelas cuecas e o chutavam até que pusesse sangue pela boca. E o irmão ficava por lá, impassível, rindo da brincadeira como os outros. Não ousava encostar-lhe um dedo, mas também nunca havia sido suficientemente corajoso para dar um basta àquelas brincadeiras idiotas. Era como se o que acontecesse não acontecesse com seu irmão, mas a um estranho digno de todas as perturbações a que era submetido.

O tempo passava, eles cresciam e o irmão mais velho era sempre aquele que tinha as mulheres e os amigos; o que se divertia e bebia, enquanto o mais novo ficava à particularidade de seu quarto empoeirado, com livros velhos e mal-traduzidos, olhando pela janela à procura de alguma alma que pudesse tirá-lo daquele lugar e mandá-lo para outro, onde as coisas eram permitidas, onde Deus não estaria vendo e onde ninguém o machucaria. Se divertiria como apenas os lascivos se divertem, sem peso na consciência, sem nenhum temor pelo castigo – seja do pai da terra ou do Pai do céu – e seria a mais feliz das criaturas.

Mas isso não aconteceu – ora, e quando acontece? Ao invés disso, a solidão só aumentou. Procurou refúgio na incompreensão da religiosidade e, com isso, tornava-se cada vez mais assíduo das missas e festas da igreja. Ouvia o padre com certo fascínio, mesmo relutante, de quem não acredita realmente no que ouve, mas finge acreditar para ao menos se sentir confortado, como se mentir para Deus fosse um ato perdoável. Balançava a cabeça em acordo com as palavras do padre, sublinhava a bíblia cegamente em busca de um parágrafo belo aos ouvidos ou uma citação que merecesse ser usada como uma frase de efeito.

Fez amigos na igreja, mas não acreditava na amizade de nenhum deles, não realmente – e quanto a isso não fazia questão de tentar mentir para si mesmo, já que nunca havia sido muito adepto a amigos, de qualquer forma. Via-os vez por outra, trocava palavras e conselhos da boca para fora, era ombro amigo de quem queria chorar e tecia comentários maldosos sobre o mundo e sua imundície, e de seu trabalho para salvar todas aquelas almas pecadoras que habitavam essa imensidão. Não era raro ver um ou outro amigo em uma falsidade descarada e inerente a qualquer relacionamento. E ele tentava encarar com naturalidade quando alguém vinha lhe dizer que a Maria já havia transado com o João e entrado na fila da comunhão no mesmo dia; que Alessandra se masturbava na sacristia da igreja e que até mesmo o padre José já havia transado em frente ao Santíssimo. Ele acrescentava um comentário aqui e ali, rindo da humanidade e de seus defeitos incorrigíveis.

Seu irmão nunca havia ido para a igreja, não desde que atingira idade suficiente para responder por seus próprios atos e tomar suas próprias decisões. A mãe ainda acreditava que o filho era católico e que rezava ao seu modo, quando na verdade ele era apenas mais um dos tantos católicos funcionais, que rezam o pai-nosso em voz alta antes de devorar a ceia de natal e pede o socorro de Deus nas horas de desespero em que ninguém mais pode ajudar.

Passaram a morar na mesma cidade, assim que o padre havia sido remanejado para a igreja de sua cidade natal. A igreja ficava a três ruas da casa do irmão, mas ainda assim fazia ao menos dez anos que o padre não o via. Não havia se dignado a visitá-lo nem mesmo uma vez, preferindo, ao invés disso, esperar pelo irmão, aguardar pelo fatídico momento em que ele entraria por aquela porta e se redimiria de seus pecados, pedindo perdão de joelhos, olhos cheios de lágrimas, numa humildade que apenas Deus poderia lhe dar.

É claro que isso não aconteceria, ele sabia disso. Sabia que o máximo que poderia acontecer era vê-lo passando pela rua, distraído como sempre, chutando pedras e assoviando a caminho da padaria ou do mercado. Trocariam no máximo um abraço e teriam um diálogo de elevador, falando sobre o tempo e perguntando o que aconteceu de bom durante todo o tempo em que não se viram. E naquela conversa eles se descobririam estranhos, dois homens que não passam de colegas, vizinhos que não se falam.

Por que, então, se importar tanto com a morte dele? Por que chorar pela morte de um estranho, pelo assassinato de um homem que há muito deixou de ser alguém importante na vida dele? A morte de um colega sempre chega com certo choque, mas não chega a ser triste. É apenas um ‘oh, ele morreu...’ e uns minutos de silêncio, acompanhados de um dar de ombros em que a vida segue adiante. É apenas o fim de mais uma presença, o desaparecimento de um rosto não tão familiar ou conhecido. Mas o que fazer quando esse rosto é sangue do seu sangue, um irmão, que, no fim das contas, nunca cometera nenhum ato vil o suficiente para ser laureado com uma faca em seu peito?

- Por quê?

Foram as únicas palavras que conseguiram sair da boca do padre, como um mero sussurro que reverberou como um grito por toda aquela igreja. Ele não queria motivos, não realmente. Não queria saber o que havia acontecido, queria se manter na escuridão da caverna de Platão, ver apenas sombras e ser feliz com suas amarras. Então por que a pergunta? Por que se envolver mais profundamente com a morte de um homem que não mais conhecia?

- Oh, rogo a Deus, não me pergunte nada! – o homem respondeu, sussurrando tão baixo quanto o padre. – Só peço que me perdoe, padre, pois não me orgulho do que fiz.

O que fazer, agora que aquele homem lhe pedia o perdão? De fato perdoar-lhe, como um bom padre cristão, ou denunciá-lo às autoridades? Ora, era um irmão, era um amigo, acima de tudo, que havia morrido pelas mãos daquele homem, posto sua impessoalidade ou qualquer sorte de pensamento negativo. O que fazer, Deus do céu, ajude-me!

Viveu um momento onírico: era como se as paredes parecessem menores, como se os vitrais o oprimissem, exigindo uma resolução imediata ao problema, exigindo um veredicto absoluto sobre a vida daquele homem que tão humildemente se ajoelhava aos seus pés, beijando suas botinas e chorando sobre o chão sagrado da sacristia. Era como se o padre houvesse bebido uma quantidade considerável de vinho; tudo rodava ao seu redor, pedindo uma explicação racional e uma resposta sincera. Precisava de um argumento convincente, seja para incriminá-lo ou para absolvê-lo.

- Vá em paz, meu filho. – disse, um nó formando-se em sua garganta, segurando as lágrimas que queriam cair. – Teu pecado foi grave, mas teu arrependimento é absoluto, posso ver em tuas palavras que discorre acerca da verdade. Vá em paz.

- E qual a minha penitência, padre?

- Tua consciência o dirá, meu bom homem. Não sou ninguém para puni-lo ou culpá-lo por tais atos. Teus motivos, sejam eles banais ou não, não são de todo irracionais. Não sei de teus propósitos, e nem intenciono sabê-lo; já me basta o teu arrependimento, é o bastante para tua absolvição. O mundo já será cruel o bastante contigo; Deus será misericordioso, como sempre o foi, e poderá entender todos os teus motivos. Não sou Deus para julgar-te; sou padre para absolver-te, e essa é minha função.

- Oh, padre, obrigado, obrigado! – ele respondeu, lágrimas escorrendo de seus olhos avermelhados, joelhos postos no chão, cabeça baixa e mãos postas a frente do peito. – Meu pecado foi horrível demais, não poderia imaginar que tu irias me absolver. Obrigado, oh, obrigado, por todos os santos!

- Saia pelos fundos da sacristia, bom homem. – o padre ainda teve a consideração de dizer – Evite os curiosos que amontoam a entrada da igreja em busca de respostas.

O homem saiu, desfazendo-se em agradecimentos, fielmente convencido de que o padre o havia perdoado.

Mas não, ele não o havia perdoado, não por completo. A dor de perder o irmão, assim que aquele homem lhe foi embora pelos fundos, finalmente fez-se perceber: ele lembrou-se de todos os dias no parquinho, escavando a areia com as pás de plástico, jogando terra nos olhos de seu irmão, rindo e colhendo amoras com a ajuda da mãe, que o segurava no colo e o elevava às alturas em busca dos frutos mais maduros e deliciosos. Ele sentou-se sobre um dos bancos, chorando como nunca havia chorado antes, lembrando das risadas e dos dias em que o irmão fazia piadas; da juventude, oh, a juventude, os quinze anos de idade onde eles roubavam os cigarros do tio e fumavam escondidos; onde pediam bebidas aos donos do bar que, de bom grado, lhes davam garrafas e mais garrafas com as quais os dois se embebedavam. Ao chegar em casa, diziam que estavam jogando bola no campinho e estavam profundamente cansados de toda a correria.

Lembrou-se de todos os dias em que choraram: por conta de alguma frustração besta que nem mais lembravam uma semana depois, por namoradas esquecidas, por matérias perdidas na escola, por bebedeiras que deixaram de participar, por transas que não completaram seja por nervosismo ou simples desconforto.

E também se lembrou de todos os dias que riram: por todas as mulheres que conquistaram – o irmão em um número extremamente maior –, por todos os sonhos que conquistaram – que iam desde ler um livro de mil e quinhentas páginas até ir para o seminário – e por todos os desejos que conseguiram realizar.

Sentado sozinho, ele chorou. Não por perdoar o homem que manchara as mãos de sangue ao matar seu irmão, mas por não se perdoar ao perdoá-lo.

Chorou por todos os dias em que poderia ter falado com o irmão e não falou. Chorou pelos momentos em que poderia ter-lhe dito: ‘eu te amo’ de um modo fraternal e não o disse. Por todas as brigas e por toda a inveja, por todas as coisas ruins que cegaram seus olhos às coisas boas que ambos compartilhavam.

Chorou por ter de esperar a morte do irmão para perceber o quanto ele era importante em sua vida.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Matogrosso e Bergman

Às vezes temos vontades súbitas. Hoje tive duas.

A primeira foi, sem nenhum tipo de motivo ou recomendação, baixar o disco do grupo Secos e Molhados. Nunca tinha ouvido nada além da já sacada e sacaneada 'O Vira' e suas dualidades no que diz respeito à sexualidade de Ney Matogrosso. Lembro de uma conversa com amigos onde um deles (ou uma delas) disse: 'Secos e Molhados está aqui e Mutantes está aqui', colocando as mãos quase alinhadas, a esquerda (representando o Mutantes) um pouco acima da direita (que representava o Secos e Molhados). Por algum motivo, aquilo ficou martelando na minha cabeça, uma vez que "Panis et Circenses" é um dos meus discos brasileiros preferidos. Se havia uma banda que poderia estar ligeiramente abaixo dos antológicos Mutantes, por que raios eu ainda não os tinha ouvido?

Então baixei o disco e, já na primeira faixa, Sangue Latino, dou de cara com uma poesia belíssima em forma de música, com versos simples e curtos, como esses: "Rompi tratados, traí os ritos/Quebrei a lança, lancei no espaço/Um grito, um desabafo/E o que me importa é não estar vencido". Cativou-me na hora, sem dúvidas, e o que veio depois só confirmou as minhas expectativas: músicas diferentes entre si, belíssimas, curtas do jeito que eu gosto. "O Vira" é engraçada, agitada, talvez fosse a mais divertida em um show; "O Patrão Nosso de Cada Dia" e "Assim Assado" são críticas extremamente audaciosas e mordazes contra a ditadura; "A Rosa de Hiroshima" é ainda mais bela na voz de Ney; "Primavera nos Dentes", a música mais longa do disco, tem uma grandiosa introdução e um canto breve. O final, com o berro de Ney, me assustou (o fone alto no ouvido foi um agravante) o bastante para que eu pulasse da cadeira.

A outra vontade súbita foi baixar e assistir ao filme Persona, do diretor sueco (e cult) Ingmar Bergman, depois de pelo menos umas três indicações positivas (e uma negativa). O filme - com uma introdução surrealista, com direito a uma fotografia-relâmpago de um pênis ereto e uma projeção de desenho animado de cabeça para baixo - conta a história de Elisabet e Alma. Elisabet é uma atriz que, subitamente, recusa-se a falar ou imprimir qualquer emoção através de sua voz ou suas expressões faciais. Os médicos dizem que não há problema físico ou psicológico com ela, mas ela simplesmente não fala. É então que entra em cena Alma, uma enfermeira designada para tomar conta da atriz muda. As duas, depois de um período no hospital, mudam-se para uma casa no campo, onde Alma - que nunca havia sido muito do tipo falante - expõe sua vida para Elisabet, que apenas a escuta.

O filme tem tomadas geniais, com sombras onde os rostos das duas se confundem, se enfocam e desfocam. Os monólogos (em especial o que Alma conta sobre suas experiências sexuais) são extremamente cativantes, e, mesmo sem nenhum artifício como flashbacks ou outras cenas, conseguimos imergir na cena apenas pelas palavras, um tipo de sentimento que dificilmente sinto com os filmes.

Mas ele, apesar de toda a cultuação, não é perfeito. O começo, por mais surrealista que possa ser, não tem um propósito aparente: procurei explicações e não as achei, o que me leva a crer que pouca gente tenha entendido o que foi proposto. Destoa do filme como um todo, da aura mais simplista que os cenários e os poucos personagens representam. O fim também não é facilmente digerível. Não sei, acho que ele termina de uma forma brusca, sem um desfecho propriamente dito, deixando algumas questões em aberto (que interpretei de uma forma que pode ou não estar certa). Cenas como Alma rasgando o pulso e dando para Elisabet beber simplesmente não entram na minha cabeça.

Foi um domingo proveitoso, milagrosamente. Filme bom música boa, tudo o que eu necessito. Espero que o próximo seja tão bom quanto esse.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Um Conto Para o Haiti

O blog Ficção Científica e Afins, da escritora, historiadora, agitadora cultural e mãe do Miguel, Ana Cristina Rodrigues, inspirado no site americano Crossed Genres, movimentou uma interessantíssima iniciativa para a ajuda do Haiti. O país, arrasado por um dos terremotos mais violentos da região, deixou um saldo amargo de mortos, feridos, desabrigados e desaparecidos, e isso não é novidade para ninguém. Mesmo com toda a ajuda oferecida por uma imensa gama de países, é necessário que nós, pequenas formiguinhas em vista dos milhões enviados, possamos ajudar da melhor forma possível.

Para saber como você pode contribuir, clique aqui e descubra como.

Bom, vamos ao conto. Uma breve comédia sobre um personagem de fantasia indignado, espero que gostem.

As Frustrações de Um Personagem de Fantasia

Rodllan, dia 23 do 3º período outonal do reino de Rednerst.

Venho aqui fazer uma reclamação!

Antes de qualquer coisa, quero que você, querido leitor, saiba quem eu sou, da onde vim e pra onde estou indo. Meu nome é Gytner, e moro em um mundo chamado Rodllan...

É, eu sei que você deve estar se perguntando: o que uma pessoa chamada Gytner, que mora em um mundo chamado Rodllan, quer por essas bandas? Eu te respondo, meu querido leitor: eu quero justiça! JUSTIÇA! J-U-S-T-I-Ç-A! Entenderam? E não é porque o senhor do escuro está pra dominar o mundo, não, nada disso... ele que fique lá pros seus lados, com aquela capa velha e preta, que parece nunca ter sido lavada. Meus problemas são outros, e muito, muito mais graves.

Pra começo de história: tenho quinze anos. POR QUE DIABOS SEMPRE TENHO QUE COMEÇAR A HISTÓRIA COM QUINZE ANOS? Será que não poderia ter cinqüenta, ou até mesmo dois?

Outra coisa: está vendo essas coisas aqui, que cobrem meu corpo e fedem à carniça? Pois é: são minhas roupas. Uma camisa branca de linho, uma calça puída e um par de botas de couro de dragão. Não é preciso ser muito inteligente para descobrir que sou pobre, não é mesmo? E por que eu sou pobre? Por que o maldito escritor dessa joça decidiu que eu seria assim! Um garoto que mora na roça, e caça pra sobreviver – e geralmente é muito bom com flechas e outros meios de conseguir capturar animais, como eu sou. Estão vendo? É sempre a mesma coisa! Outro dia eu falei com o Setrl, isso, ele mesmo, lá do mundo de Fyuter... ele também tem quinze anos e é pobre! E o mesmo acontece com o Hutyen, do mundo de Beynit, com o Draczet, do mundo de Wasp, e mais uma infinidade de adolescentes de outros mundos fantásticos... TODOS SÃO POBRES, SÃO BONS NA CAÇA E TÊM QUINZE ANOS! Por quê? Por que todos têm que ser assim?

Mais uma coisa: não sei se vocês perceberam, mas tem um velho por aqui que é meio estranho. Sabe, ele vive por aqui, falando com o povo, contando velhas histórias e sempre vem atrás de mim. Eu pensei que ele era um pedófilo, mas meu pai disse que ele é gente boa. Mas tenho lá minhas dúvidas. Ele com aquele chapéu estranho, aqueles óculos tortos e aquele cachimbo na boca...

Eu comentei com o Hutyen, do mundo de Beynit, e ele disse que tem um velho atrás dele também... ah, aquele maldito escritor! Sempre velhos feios, e cachimbos, e outras coisas desse tipo... estou ficando cansado dessa vida tediosa de personagem principal de épico fantástico...

Ah, quase ia me esquecendo! Lembram do senhor do escuro de que eu falei agora pouco? Pois é! Descobri que só eu posso matar ele! Como? Sei lá, só sei que sou o escolhido! Siiiiiim, pois é... E eu perguntei pro Setrl, e ele disse que, no mundo dele, também tem um senhor do escuro! E que ele também é o único que pode matá-lo! Ai, ai, é tudo tão igual...

Outra coisa de muita importância: por que meu nome é Gytner? Por que diabos colocar uma seqüência fonética tão difícil quanto essa? Por que não posso ser João, Felipe, Marcelo, Tiago, ou qualquer coisa do tipo? Por que esse nome estranho e sem nexo, sem nenhum significado? Sabe o quanto é difícil pronunciar isso? Tente em voz alta. É assim que se fala: Gí-ti-ner... imagina se seu nome fosse assim, e você tivesse em um telefonema e o operador de telemarketing perguntasse:

- Por favor, como se chama?

- Gytner...

- COMO?

- Gytner... G-Y-T-N-E-R...

- Pronto... e onde você mora?

- Moro no vilarejo Retbvert, na cidadela de Uirnt, que fica no reino de Rednerst... moro no barraco numero 18 da rua Erfgner...

- Hãn?

Perceberam o constrangimento?! Pois é!

Por favor, escritores, me chamem de João, José, Mateus, ou qualquer nome assim! Pelo amor de Yutnrer – claro, é o deus do meu mundo, saca?

Bom, caro leitor, essas são apenas as críticas mais evidentes. Também tenho outras a fazer:

1. Viajar em cavalos é muito desconfortável... eles com aquelas ancas gigantescas, subindo e descendo, subindo e descendo, deixam tudo dormente! Por que não posso ir de barco ou de carro?

2. As espadas tão muito ultrapassadas, né? Cansei de ficar tiiim, tiim, tiiim contra a espada do meu treinador – que, por sinal, está me ensinando tudo durante minha viagem até o senhor do escuro.

3. Estou cansado de ruivas: sempre ruivas com sardinhas no rosto! Por que não posso me apaixonar por uma loira bronzeada e com marca de biquíni?

4. Também cansei de ter que ser tão bonzinho... ‘oh, não... não vamos matar esse cara que assassinou minha família e cuspiu na minha cara... ele também tem sentimentos, e deve ter os seus motivos’. Ah, por favor!

5. E, se eu sou bonzinho demais, por que o senhor do escuro é tão mau? Ele quer dominar o mundo, cortar as árvores, acabar com a natureza e subjugar todos os que forem contra o seu regime, tornando-os escravos. Isso também se torna cansativo depois de um tempo... pra que ele quer dominar o mundo? Não pode ficar na dele, com suas ovelhas e seus bois, lendo um bom livro e esticando os pés? Mas nããão... ele quer ser mau, vestir uma capa preta e usar um elmo que esconde seu rosto... Maldito Tolkien e seu Sauron.

Bom, essas são as minhas reclamações. Enviá-las-ei ao Departamento de Assuntos Ligados à Fantasia, assim que o duende chefe autenticar esse pergaminho. Agora me deixe ir... aquele velho estranho acabou de acender o cachimbo apenas estalando os dedos... acho que ele deve ser um mago (sério, escritor, será que dá pra parar com isso?! MAGO? Por que ele não pode ser um velho? UM SIMPLES VELHO MALUCO QUE GOSTA DE ADOLESCENTES?).

Adeus.


Assinado,

Um Indignado Personagem de Fantasia

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

"A Noite das Bruxas", Agatha Christie


É uma verdadeira compensação poder, depois de muito tempo, voltar a ler Agatha Christie. Passei muito tempo sem lê-la, mais por desinteresse de momento do que por outra coisa qualquer. Os romances policiais dela, juntamente com uma outra gama de autores best-sellers que até hoje estão no meu coração, foram um dos principais responsáveis pela minha inserção no mundo da leitura. Aos onze ou doze anos, lembro de ter lido "O Mistério do Trem Azul" - odiado pela autora e bem tosquinho, por sinal - e me maravilhado com Poirot e suas análises racionais. A forma como ele, ao fim da história, juntava todas as peças do quebra-cabeça de um jeito coeso era uma completa novidade para mim, que - como de praxe - fiquei boquiaberto com o fim do livro.

O tempo passou e já li cerca de vinte livros dela, desde o belíssimo "Assassinato de Roger Ackroyd" até o péssimo "Elefantes Não Esquecem", e sempre, sempre me surpreendi com o final de seus livros. Nunca, nem sequer uma vez, consegui descobrir quem era o assassino que o detetive Poirot, com tanta facilidade, desmascarava.

Com "A Hora das Bruxas" não foi diferente.

O enredo é soturno e instigante: durante os preparativos de uma festa de Halloween, a jovem Joyce, de apenas 13 anos - famosa por ser uma grande mentirosa -, diz que presenciou um assassinato, acontecido há muito tempo atrás, com o intuito de impressionar a escritora de romances policiais Ariadne Oliver. Ninguém acredita no que a jovenzinha diz, e, rindo e fazendo brincadeiras, deixam a história de lado, mesmo que a menina insista com veemência no que diz.

Ao fim da festa, o corpo da menina é encontrado na biblioteca, afogado em um balde usado para a brincadeira de pesca das maçãs. Atordoada, Ariadne chama pelo detetive Hercule Poirot, único em quem confia para desvendar o caso.

Agatha Christie tem o poder de seduzir o leitor. Os livros breves e gostosos de ler se passam velozmente; são daquele tipo que não se consegue largar até descobrir o final. Os cenários são vívidos, apesar do bucolismo inglês, com destaque, nesse livro, para os Jardins Suspensos (não os da Babilônia) descritos minuciosamente, peça fundamental para o desfecho da história.

Outra coisa que é bem agradável nesse livro é que, ao mesmo tempo em que Poirot tenta descobrir sobre o assassino de Joyce, desvenda o que a menina supostamente teria visto, fazendo uma ligação crível e convincente de dois assassinatos. Essa sensação de duas histórias em um livro tão curto só comprova a capacidade literária de Christie em conseguir produzir um número tão grande de suspeitos e personagens sem deixar nenhum detalhe de fora ou alguma ponta solta.

Quanto ao desfecho, não é um dos mais surpreendentes dela. Não sei se o tempo passou e me deixou mais exigente, ou se esperava mais do que o fim propôs, ou se simplesmente achei sem graça. A explicação foi boa, convincente, mas acho que soou muito normal. Não tem o UAU de "Roger Ackroyd" ou "Cinco Porquinhos", mas também não é extremamente entediante como "Elefantes" ou "Passageiro para Frankfurt".

Achei, no fim das contas, um romance muito bem construído com um final mediano (para os parâmetros Christie, é claro, o que não é pouca coisa).

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

"O Nome da Rosa", Umberto Eco

Faz tempo que não publico uma resenha no blog. Então, para começar o ano com o pé direito – quantas pessoas já falaram isso por aí? :P – vou falar sobre a minha segunda leitura do ano, que começou no meio do mês de dezembro e se arrastou até agora. Trata-se do já clássico “O Nome da Rosa”, do escritor italiano Umberto Eco.

Já no prefácio do livro (21ª edição da Nova Fronteira) damos de cara com a história de como o livro foi concebido, através de um manuscrito encontrado por Eco em uma de suas muitas viagens pelo mundo. E já dali conseguimos perceber como Umberto Eco escreve: de forma um tanto arrastada e erudita. Talvez espante os leitores mais casuais logo ali – me espantou da primeira vez que tentei ler o livro, há uns anos atrás – mas, ultrapassando-o, finalmente chegamos à história em si.

O livro conta a história de Adso de Melk, um abade que, já na sua velhice, escreve sobre os sete dias em que viveu trancado em um mosteiro, na Itália do século XIV. Durante esses dias, uma série de assassinatos leva Adso e seu mentor, Guilherme, a investigarem os acontecimentos, entre corredores escuros e a majestosa biblioteca, cheia de livros indecifráveis e grandiosos.

O enredo policial é extremamente bem feito e amarrado: a história é dividido em sete dias, e estes dias divididos entre os diferentes horários estabelecidos por nomes próprios (matinas, laudes, primeira, terceira, sexta, nona, véspera e completa). A história é instigante, mesclando romance policial moderno com um texto erudito.

E o texto é o ponto forte do livro: é escrito de forma a parecer com um escrito do século XIV, e consegue exercer a sua função. Viajamos entre imagens barrocas de demônios, deuses, seres fantásticos, imagens perturbadoras e sonhos intrigantes, ao mesmo tempo em que conseguimos nos ambientar nos momentos em que o protagonista descreve minuciosamente um cenário ou situação macabra. Mas, ao contrário do que se pode pensar, não é algo fácil de ler: durante muitos momentos, tive vontade de fechar o livro e rearranjar os pensamentos. É preciso tomar cuidado extremo para não acabar lendo o livro sem prestar atenção nas palavras, lendo no piloto automático.

Se pudesse destacar um ponto negativo (ao menos na minha edição) destacaria as dezenas de citações em latim, francês, espanhol, castelhano e tantas outras línguas que recheiam o livro e não são traduzidas, sequer nas notas de rodapé. Dá uma raiva imensa ter que pular partes tão grandes, músicas e poemas, mesmo que estes não façam muita diferença no produto final da leitura ou não tenham que ser traduzidas para manter um ar de mistério. Acredito que, se os trechos estão ali, é porque, de uma forma ou de outra, fazem parte da história. Não sei se todas as edições do livro são assim – acredito que não – mas acho um grande desrespeito o de não traduzir. Afinal, ninguém é obrigado a ser fluente em latim.

O livro, quando não aborda a sua trama em si, divaga sobre diferentes aspectos do papel da Igreja durante o século XIV, tudo sobre o ponto de vista dos monges. É incrível e espantoso ver o entendimento que Umberto Eco tem sobre todos esses assuntos: é nítida a imensa pesquisa que foi necessária, talvez de anos, para que cada um daqueles monólogos fosse feito. Alguns pecam pela prolixidade, outros acertam pela singularidade. Eu me perguntava, certas vezes, se Eco não teria vivido naquela época, visto todas aquelas coisas e escrito para nós, tamanhos são os detalhes incrustados no texto.

“Somente o bibliotecário, além de saber, tem o direito de mover-se no labirinto dos livros, somente ele sabe onde encontrá-los e onde guardá-los, somente ele é responsável pela sua conservação (...) somente o bibliotecário sabe da colocação do volume, do grau de sua inacessibilidade, que tipo de segredos, de verdades ou de mentiras o volume encerra. Somente ele decide como, e se deve fornecê-los ao monge que o está requerendo (...). Porque nem todas as verdades são para todos os ouvidos, nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tais por uma alma piedosa, e os monges, por fim, estão no scriptorium para levar a cabo uma obra precisa, para a qual devem ler alguns e não outros volumes, e não para seguir qualquer insensata curiosidade que porventura os colha, quer por fraqueza da mente, quer por soberba, quer por sugestão diabólica.”

– “O Nome da Rosa”, Umberto Eco (fragmento)

O livro é erudito, misterioso, instigante, certas vezes cansativo, na maioria simplesmente fantástico. Uma leitura difícil – ainda mais durante as madrugadas, quando a atenção não está lá 100% – mas gratificante. Tenho certeza de que, mesmo que o livro cause algum sofrimento à mente em algumas partes mais entediantes, será simplesmente inesquecível em outras (os sonhos de Adso, os assassinatos macabros, os discursos inflamados e o final vívido e interessantíssimo). Enfim, altamente recomendado para todos aqueles insistentes!

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Yeah, mais BBB!


Como já é de praxe na programação da Rede Globo de televisão - e o que não é de praxe lá? - teremos mais um verão regado a BBB. O décimo, a despeito de todas as críticas, acusações (e comprovações) de fraudes e arapucas. E sim, eu verei o BBB 10, por que não?

Cultura de massa, alienação social, programa xulo, barato, pessoas desconhecidas, fama efêmera, capas de Playboy, brigas, discussões, armações, manipulações, vozes do além mandando nos participantes, etc etc etc... a lista de adjetivações, sejam negativas e positivas, é imensa.

Tentei, por muito tempo, me convencer de que era superior à massa desintelecutalizada desse nosso país. BBB, pra quê? Coisa de gente sem cérebro, sem cultura, sem opinião formada, eu me dizia, naquele momento em que tentava afirmar a mim mesmo e ao mundo que não existia ninguém melhor e mais inteligente que eu. Naquela pose blasé cara de cu superior e soberbo.

O tempo passou e o tal vírus do BBB não me largou. Lutando contra mim mesmo, fuçava a internet atrás de notícias, prestava atenção quando o número de "PI's" ficava ecoando pelo televisor da sala e prestava atenção às notícias dos programas da tarde, que tem como único propósito ganhar audiência em cima dos programas alheios (alô, Sônio Abrão!).

Sim, eu me submeti.

Não sou hipócrita, também. Não fico tentando achar justificativas culturais para assistir BBB... toda essa baboseira de análise psicológica-freudiana de desconhecidos e suas relações dentro de um recinto sem comunicação externa simplesmente não me convence (desculpe, Bial).

Vejo BBB porque é divertido ver as edições manipuladas, ver as brigas exageradas, ver as bundas ao sol (a melhor parte, sem dúvidas e sombras) e toda aquela baboseira de intrigas e panelas e suspense de confessionário. Ah, vai, é divertido!

Me desculpem as vaquinhas, cavalos, bois e Britto Júnior, mas o BBB é bem mais legal :)