segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Um Conto Para o Haiti

O blog Ficção Científica e Afins, da escritora, historiadora, agitadora cultural e mãe do Miguel, Ana Cristina Rodrigues, inspirado no site americano Crossed Genres, movimentou uma interessantíssima iniciativa para a ajuda do Haiti. O país, arrasado por um dos terremotos mais violentos da região, deixou um saldo amargo de mortos, feridos, desabrigados e desaparecidos, e isso não é novidade para ninguém. Mesmo com toda a ajuda oferecida por uma imensa gama de países, é necessário que nós, pequenas formiguinhas em vista dos milhões enviados, possamos ajudar da melhor forma possível.

Para saber como você pode contribuir, clique aqui e descubra como.

Bom, vamos ao conto. Uma breve comédia sobre um personagem de fantasia indignado, espero que gostem.

As Frustrações de Um Personagem de Fantasia

Rodllan, dia 23 do 3º período outonal do reino de Rednerst.

Venho aqui fazer uma reclamação!

Antes de qualquer coisa, quero que você, querido leitor, saiba quem eu sou, da onde vim e pra onde estou indo. Meu nome é Gytner, e moro em um mundo chamado Rodllan...

É, eu sei que você deve estar se perguntando: o que uma pessoa chamada Gytner, que mora em um mundo chamado Rodllan, quer por essas bandas? Eu te respondo, meu querido leitor: eu quero justiça! JUSTIÇA! J-U-S-T-I-Ç-A! Entenderam? E não é porque o senhor do escuro está pra dominar o mundo, não, nada disso... ele que fique lá pros seus lados, com aquela capa velha e preta, que parece nunca ter sido lavada. Meus problemas são outros, e muito, muito mais graves.

Pra começo de história: tenho quinze anos. POR QUE DIABOS SEMPRE TENHO QUE COMEÇAR A HISTÓRIA COM QUINZE ANOS? Será que não poderia ter cinqüenta, ou até mesmo dois?

Outra coisa: está vendo essas coisas aqui, que cobrem meu corpo e fedem à carniça? Pois é: são minhas roupas. Uma camisa branca de linho, uma calça puída e um par de botas de couro de dragão. Não é preciso ser muito inteligente para descobrir que sou pobre, não é mesmo? E por que eu sou pobre? Por que o maldito escritor dessa joça decidiu que eu seria assim! Um garoto que mora na roça, e caça pra sobreviver – e geralmente é muito bom com flechas e outros meios de conseguir capturar animais, como eu sou. Estão vendo? É sempre a mesma coisa! Outro dia eu falei com o Setrl, isso, ele mesmo, lá do mundo de Fyuter... ele também tem quinze anos e é pobre! E o mesmo acontece com o Hutyen, do mundo de Beynit, com o Draczet, do mundo de Wasp, e mais uma infinidade de adolescentes de outros mundos fantásticos... TODOS SÃO POBRES, SÃO BONS NA CAÇA E TÊM QUINZE ANOS! Por quê? Por que todos têm que ser assim?

Mais uma coisa: não sei se vocês perceberam, mas tem um velho por aqui que é meio estranho. Sabe, ele vive por aqui, falando com o povo, contando velhas histórias e sempre vem atrás de mim. Eu pensei que ele era um pedófilo, mas meu pai disse que ele é gente boa. Mas tenho lá minhas dúvidas. Ele com aquele chapéu estranho, aqueles óculos tortos e aquele cachimbo na boca...

Eu comentei com o Hutyen, do mundo de Beynit, e ele disse que tem um velho atrás dele também... ah, aquele maldito escritor! Sempre velhos feios, e cachimbos, e outras coisas desse tipo... estou ficando cansado dessa vida tediosa de personagem principal de épico fantástico...

Ah, quase ia me esquecendo! Lembram do senhor do escuro de que eu falei agora pouco? Pois é! Descobri que só eu posso matar ele! Como? Sei lá, só sei que sou o escolhido! Siiiiiim, pois é... E eu perguntei pro Setrl, e ele disse que, no mundo dele, também tem um senhor do escuro! E que ele também é o único que pode matá-lo! Ai, ai, é tudo tão igual...

Outra coisa de muita importância: por que meu nome é Gytner? Por que diabos colocar uma seqüência fonética tão difícil quanto essa? Por que não posso ser João, Felipe, Marcelo, Tiago, ou qualquer coisa do tipo? Por que esse nome estranho e sem nexo, sem nenhum significado? Sabe o quanto é difícil pronunciar isso? Tente em voz alta. É assim que se fala: Gí-ti-ner... imagina se seu nome fosse assim, e você tivesse em um telefonema e o operador de telemarketing perguntasse:

- Por favor, como se chama?

- Gytner...

- COMO?

- Gytner... G-Y-T-N-E-R...

- Pronto... e onde você mora?

- Moro no vilarejo Retbvert, na cidadela de Uirnt, que fica no reino de Rednerst... moro no barraco numero 18 da rua Erfgner...

- Hãn?

Perceberam o constrangimento?! Pois é!

Por favor, escritores, me chamem de João, José, Mateus, ou qualquer nome assim! Pelo amor de Yutnrer – claro, é o deus do meu mundo, saca?

Bom, caro leitor, essas são apenas as críticas mais evidentes. Também tenho outras a fazer:

1. Viajar em cavalos é muito desconfortável... eles com aquelas ancas gigantescas, subindo e descendo, subindo e descendo, deixam tudo dormente! Por que não posso ir de barco ou de carro?

2. As espadas tão muito ultrapassadas, né? Cansei de ficar tiiim, tiim, tiiim contra a espada do meu treinador – que, por sinal, está me ensinando tudo durante minha viagem até o senhor do escuro.

3. Estou cansado de ruivas: sempre ruivas com sardinhas no rosto! Por que não posso me apaixonar por uma loira bronzeada e com marca de biquíni?

4. Também cansei de ter que ser tão bonzinho... ‘oh, não... não vamos matar esse cara que assassinou minha família e cuspiu na minha cara... ele também tem sentimentos, e deve ter os seus motivos’. Ah, por favor!

5. E, se eu sou bonzinho demais, por que o senhor do escuro é tão mau? Ele quer dominar o mundo, cortar as árvores, acabar com a natureza e subjugar todos os que forem contra o seu regime, tornando-os escravos. Isso também se torna cansativo depois de um tempo... pra que ele quer dominar o mundo? Não pode ficar na dele, com suas ovelhas e seus bois, lendo um bom livro e esticando os pés? Mas nããão... ele quer ser mau, vestir uma capa preta e usar um elmo que esconde seu rosto... Maldito Tolkien e seu Sauron.

Bom, essas são as minhas reclamações. Enviá-las-ei ao Departamento de Assuntos Ligados à Fantasia, assim que o duende chefe autenticar esse pergaminho. Agora me deixe ir... aquele velho estranho acabou de acender o cachimbo apenas estalando os dedos... acho que ele deve ser um mago (sério, escritor, será que dá pra parar com isso?! MAGO? Por que ele não pode ser um velho? UM SIMPLES VELHO MALUCO QUE GOSTA DE ADOLESCENTES?).

Adeus.


Assinado,

Um Indignado Personagem de Fantasia

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

"A Noite das Bruxas", Agatha Christie


É uma verdadeira compensação poder, depois de muito tempo, voltar a ler Agatha Christie. Passei muito tempo sem lê-la, mais por desinteresse de momento do que por outra coisa qualquer. Os romances policiais dela, juntamente com uma outra gama de autores best-sellers que até hoje estão no meu coração, foram um dos principais responsáveis pela minha inserção no mundo da leitura. Aos onze ou doze anos, lembro de ter lido "O Mistério do Trem Azul" - odiado pela autora e bem tosquinho, por sinal - e me maravilhado com Poirot e suas análises racionais. A forma como ele, ao fim da história, juntava todas as peças do quebra-cabeça de um jeito coeso era uma completa novidade para mim, que - como de praxe - fiquei boquiaberto com o fim do livro.

O tempo passou e já li cerca de vinte livros dela, desde o belíssimo "Assassinato de Roger Ackroyd" até o péssimo "Elefantes Não Esquecem", e sempre, sempre me surpreendi com o final de seus livros. Nunca, nem sequer uma vez, consegui descobrir quem era o assassino que o detetive Poirot, com tanta facilidade, desmascarava.

Com "A Hora das Bruxas" não foi diferente.

O enredo é soturno e instigante: durante os preparativos de uma festa de Halloween, a jovem Joyce, de apenas 13 anos - famosa por ser uma grande mentirosa -, diz que presenciou um assassinato, acontecido há muito tempo atrás, com o intuito de impressionar a escritora de romances policiais Ariadne Oliver. Ninguém acredita no que a jovenzinha diz, e, rindo e fazendo brincadeiras, deixam a história de lado, mesmo que a menina insista com veemência no que diz.

Ao fim da festa, o corpo da menina é encontrado na biblioteca, afogado em um balde usado para a brincadeira de pesca das maçãs. Atordoada, Ariadne chama pelo detetive Hercule Poirot, único em quem confia para desvendar o caso.

Agatha Christie tem o poder de seduzir o leitor. Os livros breves e gostosos de ler se passam velozmente; são daquele tipo que não se consegue largar até descobrir o final. Os cenários são vívidos, apesar do bucolismo inglês, com destaque, nesse livro, para os Jardins Suspensos (não os da Babilônia) descritos minuciosamente, peça fundamental para o desfecho da história.

Outra coisa que é bem agradável nesse livro é que, ao mesmo tempo em que Poirot tenta descobrir sobre o assassino de Joyce, desvenda o que a menina supostamente teria visto, fazendo uma ligação crível e convincente de dois assassinatos. Essa sensação de duas histórias em um livro tão curto só comprova a capacidade literária de Christie em conseguir produzir um número tão grande de suspeitos e personagens sem deixar nenhum detalhe de fora ou alguma ponta solta.

Quanto ao desfecho, não é um dos mais surpreendentes dela. Não sei se o tempo passou e me deixou mais exigente, ou se esperava mais do que o fim propôs, ou se simplesmente achei sem graça. A explicação foi boa, convincente, mas acho que soou muito normal. Não tem o UAU de "Roger Ackroyd" ou "Cinco Porquinhos", mas também não é extremamente entediante como "Elefantes" ou "Passageiro para Frankfurt".

Achei, no fim das contas, um romance muito bem construído com um final mediano (para os parâmetros Christie, é claro, o que não é pouca coisa).

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

"O Nome da Rosa", Umberto Eco

Faz tempo que não publico uma resenha no blog. Então, para começar o ano com o pé direito – quantas pessoas já falaram isso por aí? :P – vou falar sobre a minha segunda leitura do ano, que começou no meio do mês de dezembro e se arrastou até agora. Trata-se do já clássico “O Nome da Rosa”, do escritor italiano Umberto Eco.

Já no prefácio do livro (21ª edição da Nova Fronteira) damos de cara com a história de como o livro foi concebido, através de um manuscrito encontrado por Eco em uma de suas muitas viagens pelo mundo. E já dali conseguimos perceber como Umberto Eco escreve: de forma um tanto arrastada e erudita. Talvez espante os leitores mais casuais logo ali – me espantou da primeira vez que tentei ler o livro, há uns anos atrás – mas, ultrapassando-o, finalmente chegamos à história em si.

O livro conta a história de Adso de Melk, um abade que, já na sua velhice, escreve sobre os sete dias em que viveu trancado em um mosteiro, na Itália do século XIV. Durante esses dias, uma série de assassinatos leva Adso e seu mentor, Guilherme, a investigarem os acontecimentos, entre corredores escuros e a majestosa biblioteca, cheia de livros indecifráveis e grandiosos.

O enredo policial é extremamente bem feito e amarrado: a história é dividido em sete dias, e estes dias divididos entre os diferentes horários estabelecidos por nomes próprios (matinas, laudes, primeira, terceira, sexta, nona, véspera e completa). A história é instigante, mesclando romance policial moderno com um texto erudito.

E o texto é o ponto forte do livro: é escrito de forma a parecer com um escrito do século XIV, e consegue exercer a sua função. Viajamos entre imagens barrocas de demônios, deuses, seres fantásticos, imagens perturbadoras e sonhos intrigantes, ao mesmo tempo em que conseguimos nos ambientar nos momentos em que o protagonista descreve minuciosamente um cenário ou situação macabra. Mas, ao contrário do que se pode pensar, não é algo fácil de ler: durante muitos momentos, tive vontade de fechar o livro e rearranjar os pensamentos. É preciso tomar cuidado extremo para não acabar lendo o livro sem prestar atenção nas palavras, lendo no piloto automático.

Se pudesse destacar um ponto negativo (ao menos na minha edição) destacaria as dezenas de citações em latim, francês, espanhol, castelhano e tantas outras línguas que recheiam o livro e não são traduzidas, sequer nas notas de rodapé. Dá uma raiva imensa ter que pular partes tão grandes, músicas e poemas, mesmo que estes não façam muita diferença no produto final da leitura ou não tenham que ser traduzidas para manter um ar de mistério. Acredito que, se os trechos estão ali, é porque, de uma forma ou de outra, fazem parte da história. Não sei se todas as edições do livro são assim – acredito que não – mas acho um grande desrespeito o de não traduzir. Afinal, ninguém é obrigado a ser fluente em latim.

O livro, quando não aborda a sua trama em si, divaga sobre diferentes aspectos do papel da Igreja durante o século XIV, tudo sobre o ponto de vista dos monges. É incrível e espantoso ver o entendimento que Umberto Eco tem sobre todos esses assuntos: é nítida a imensa pesquisa que foi necessária, talvez de anos, para que cada um daqueles monólogos fosse feito. Alguns pecam pela prolixidade, outros acertam pela singularidade. Eu me perguntava, certas vezes, se Eco não teria vivido naquela época, visto todas aquelas coisas e escrito para nós, tamanhos são os detalhes incrustados no texto.

“Somente o bibliotecário, além de saber, tem o direito de mover-se no labirinto dos livros, somente ele sabe onde encontrá-los e onde guardá-los, somente ele é responsável pela sua conservação (...) somente o bibliotecário sabe da colocação do volume, do grau de sua inacessibilidade, que tipo de segredos, de verdades ou de mentiras o volume encerra. Somente ele decide como, e se deve fornecê-los ao monge que o está requerendo (...). Porque nem todas as verdades são para todos os ouvidos, nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tais por uma alma piedosa, e os monges, por fim, estão no scriptorium para levar a cabo uma obra precisa, para a qual devem ler alguns e não outros volumes, e não para seguir qualquer insensata curiosidade que porventura os colha, quer por fraqueza da mente, quer por soberba, quer por sugestão diabólica.”

– “O Nome da Rosa”, Umberto Eco (fragmento)

O livro é erudito, misterioso, instigante, certas vezes cansativo, na maioria simplesmente fantástico. Uma leitura difícil – ainda mais durante as madrugadas, quando a atenção não está lá 100% – mas gratificante. Tenho certeza de que, mesmo que o livro cause algum sofrimento à mente em algumas partes mais entediantes, será simplesmente inesquecível em outras (os sonhos de Adso, os assassinatos macabros, os discursos inflamados e o final vívido e interessantíssimo). Enfim, altamente recomendado para todos aqueles insistentes!

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Yeah, mais BBB!


Como já é de praxe na programação da Rede Globo de televisão - e o que não é de praxe lá? - teremos mais um verão regado a BBB. O décimo, a despeito de todas as críticas, acusações (e comprovações) de fraudes e arapucas. E sim, eu verei o BBB 10, por que não?

Cultura de massa, alienação social, programa xulo, barato, pessoas desconhecidas, fama efêmera, capas de Playboy, brigas, discussões, armações, manipulações, vozes do além mandando nos participantes, etc etc etc... a lista de adjetivações, sejam negativas e positivas, é imensa.

Tentei, por muito tempo, me convencer de que era superior à massa desintelecutalizada desse nosso país. BBB, pra quê? Coisa de gente sem cérebro, sem cultura, sem opinião formada, eu me dizia, naquele momento em que tentava afirmar a mim mesmo e ao mundo que não existia ninguém melhor e mais inteligente que eu. Naquela pose blasé cara de cu superior e soberbo.

O tempo passou e o tal vírus do BBB não me largou. Lutando contra mim mesmo, fuçava a internet atrás de notícias, prestava atenção quando o número de "PI's" ficava ecoando pelo televisor da sala e prestava atenção às notícias dos programas da tarde, que tem como único propósito ganhar audiência em cima dos programas alheios (alô, Sônio Abrão!).

Sim, eu me submeti.

Não sou hipócrita, também. Não fico tentando achar justificativas culturais para assistir BBB... toda essa baboseira de análise psicológica-freudiana de desconhecidos e suas relações dentro de um recinto sem comunicação externa simplesmente não me convence (desculpe, Bial).

Vejo BBB porque é divertido ver as edições manipuladas, ver as brigas exageradas, ver as bundas ao sol (a melhor parte, sem dúvidas e sombras) e toda aquela baboseira de intrigas e panelas e suspense de confessionário. Ah, vai, é divertido!

Me desculpem as vaquinhas, cavalos, bois e Britto Júnior, mas o BBB é bem mais legal :)