quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Dorian e Narciso

Narciso olhou para o espelho d'água, mas não viu seu reflexo. Ao invés de se deparar com os próprios olhos amendoados, redondos e profundos, viu olhos azuis e rasos; cabelos loiros na altura dos ombros ao invés dos seus, pretos e caídos em uma franja. Franziu o rosto, o coração disparado, tentando entender o que acontecia.

Do outro lado, Dorian Gray tirou a cortina vermelha que cobria seu retrato, mas percebeu que a imagem se modificara. Um ser de cabelos curtos e negros o encarava estaticamente. Dorian poderia jurar que a imagem tinha o cenho franzido em dúvida, mas ele não sabia dizer o porquê.

Intrigados, mas, acima de tudo, admirados, passaram a analisar a nova imagem refletida. Perguntaram-se porque haviam mudado, no entanto não souberam responder.

Narciso olhou fundo naqueles olhos azuis e parecia estar olhando para dentro da alma de Dorian Gray.

Gray percebeu que o olhar da imagem se estreitava, e retribuiu-o. Deleitou-se com aquela cumplicidade. Era uma imagem tão bonita quanto ele próprio.

Enquanto olhavam-se profundamente, trocando entre si falas mudas, as imagens se dissolveram e tornaram-se novamente os reflexos de seus respectivos donos. A partir deste dia, Narciso nunca mais desgrudou-se do espelho d'água, sempre a procura daquele reflexo misterioso; enquanto isso, Dorian Gray passava dias e mais dias encarando seu retrato, procurando pelo misterioso homem com a franja caída sobre os olhos.

sábado, 17 de outubro de 2009

O Não-Escrever

Quando estou seco, palavras soltas como essas me ajudam. Estou olhando há mais de três horas para essas teclas de computador e não consigo escrever ficção. É um daqueles momentos que os grandes escritores chamam de 'bloqueio' e onde os amadores e aspirantes chamam de 'preguiça'. Já ouvi umas quinhentas músicas, tomei umas cinco xícaras de café, comi pizza, fiz downloads, sentei, bati pé, esperei, re-esperei, resisti, desisti, mudei de ideia, e ainda assim nada.

Sabe, isso acontece muito com quem gosta de escrever. Essa aflição de querer e não conseguir, de esperar uma inspiração divina que não chega nunca. Não sei como os outros escritores - amadores ou não - lidam com isso, mas eu sei que não gosto nem um pouco. Odeio querer escrever mas não conseguir. É aflitivo, desesperador, sufocante.

Záfon diz, no livro "O Jogo do Anjo": "A inspiração virá quando fincar os cotovelos na mesa, o traseiro na cadeira e começar a suar. Escolha um tema, uma ideia e esprema o cérebro até doer. É isso o que se chama inspiração". Já tentei concordar com essa afirmativa, mas não sei se consigo. Não sei se é de todo verdade: inspiração pode sim vir dessa forma, mas é tão mais deliciosa quando vem em um lampejo, numa ida à padaria ou debaixo do chuveiro. Quando você não pensa em ter uma ideia e ela aparece, isso sim é bonito.

As minhas melhores ideias são as que vêm de repente. Me atingem com uma potência assustadora, e eu adoro esse impacto.

Mas enquanto o impacto não chega, continuo com minhas músicas, meus downloads e meu café. Escrever sobre o não-escrever é sempre proveitoso.

Quero Morrer de Amor

quero morrer de amor...
morrer com a sensação de ter amado
com a intensidade de mil sóis
com a certeza de um cálculo
com a sonoridade de uma canção
com a alegria da solidão
com muita paixão

quero morrer de amor, com amor, no amor, para o amor
quero antes a loucura dos sãos
a beleza dos monstros
a alegria dos depressivos
a paradoxo das compreensões

quero a poesia louca e sem propósito
quero tudo no amor
e no fim quero poder sorrir e dizer: "eu amei"
e morrerei em paz

(15/10/09)

Um pouco piegas hj :P

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Amizades eternas de dois dias de duração

frágil como um castelo de cartas que
ao sabor do mínimo vento se desfaz
delicado como um cristal que
se racha à menor vibração
volátil da mesma forma que
éter evaporando pelo ambiente

não é belo nem sincero
é auto-afirmativo
é necessário, não é?
necessário mostar aos outros que
risos de plástico são de alegria
mostrar que dezenas de fotos expressam a realidade
quando na realidade não passam de
um bocado de mentiras

essa amizade desvairada
que mal começa é superestimada
com falsas promessas de eternidade

bobos daqueles que
presos nessa fantasia
acham que têm amigos de verdade

(15/10/09)

sábado, 3 de outubro de 2009

Yes, We Créu!


Tensão durante todo um dia. Quatro cidades - sendo três delas localizadas em países desenvolvidos - disputando qual seria escolhida a sede das Olimpíadas de 2016. O Rio de Janeiro era favorito, mas o discurso do rei espanhol Juan Carlos elevou as chances de Madrid. Estávamos nos perguntando se o Brasil realmente conseguiria impressionar o Comitê Olímpico Internacional. Particularmente, minhas expectativas não eram lá tão altas.

Mas então, para surpresa de todos, Chicago foi logo descartada. Nem mesmo o repórter da CNN acreditou que a cidade pudesse ser a primeira eliminada. Obama nem ficou para ouvir, saindo de Copenhague antes do anúncio da eliminação.

Os veículos de comunicação brasileiros piraram. A disputa, em tese, estava entre Chicago e Rio de Janeiro. Com Chicago eliminada, o que aconteceria em seguir?

O que todos previam aconteceu. Tóquio também foi eliminada.

Depois, o momento da pausa dramática. O anúncio da eliminação de Chicago e Tóquio aconteceu por volta de 12:30, e o anúncio decisivo da cidade escolhida seria dado apenas 13:30.

Coberturas especiais na Rede Globo e Globo News, povo carioca com a cara enfiada na televisão e na internet, esperando ansiosamente pelo anúncio. Uma multidão enchia as praias de Copacabana numa festa organizada para incentivar a candidatura do Rio de Janeiro.

E finalmente o anúncio saiu: o Rio de Janeiro foi a cidade escolhida para sediar as Olimpíadas em 2016.

Os gritos ecoaram. Parecia que o Brasil havia feito um gol de desempate na final da Copa do Mundo. Twitters enloquecidos postavam "Yes, We Créu" - que chegou ao primeiro lugar como expressão mais postada. E os gringos se esforçavam para tentar entender a brincadeira.

Enfim, conseguimos. Mas a parte boa só virá daqui a sete anos. Por agora, o governo têm (com acento mesmo) muito trabalho pela frente, e, consequentemente, nós também temos. Trabalho para exigirmos uma Olimpíada bela, limpa, organizada e inesquecível; para exigirmos um Rio de Janeiro tão belo quanto o vídeo de Fernando Meirelles, para termos orgulho dos olhos do mundo voltados para nós.

Quando as Olimpíadas estiverem por aqui já vou ter 24 anos. Hoje tenho 17. Pode parecer muito tempo, mas pela quantidade de trabalho e a fleuma e burocracia com as quais as coisas acontecem no país, tenho minhas dúvidas quanto a relatividade deste tempo. Que ele seja suficiente e administrado com competência. Espero que um esforço coletivo seja feito para essas Olimpíadas, e que o legado dele realmente valha a pena. Que não aconteça o mesmo que aconteceu com as instalações do Pan-Americano de 2007 (alguém ainda ouve falar delas, por acaso?).

Mas hoje eu ainda grito: YES, WE CRÉU!