sexta-feira, 12 de junho de 2009

Um Parágrafo

Em uma epifania saramaguiana dentro de um momento soturno, escrevi esse parágrafo. Aqui está:

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Tenho a missão de escrever um parágrafo. Sim, um parágrafo, foi o desafio que me fiz. Escrever uma história boa em uma única sequência de pensamentos, sem interrupções ou respirações. Sim, um pouco Saramago; sim, um pouco maluco e sem pé nem cabeça. Mas aqui estou eu, e aqui está a história. Sim, ainda não percebeu que ela já começou? Trata-se da história de um garoto que, sem mais nem menos, enquanto ouvia uma música e vegetava na frente do computador, resolveu escrever um parágrafo. Esse garoto nunca foi muito diferente dos outros, nem teve problemas maiores do que os dos outros. É bem certo que tivesse fantasmas que vez ou outra assombravam seus pensamentos com ideias fixas e depressivas. Mas, afinal, quem não os tem? Eles estão sempre lá, assombrando ele quando menos espera, e estavam rodeando suas memórias quando ele decidiu escrever o tal parágrafo. O garoto não sabia bem como eles se instalavam lá – na verdade, ele acreditava que os fantasmas tinham um período certo para ficarem ali, mas nunca fora bom o suficiente para marcar os minutos –, mas ele sabia quando eles estavam lá. Não percebia quando chegavam, apenas quando já povoavam seus pensamentos. Ele perguntava “porque estou me sentindo assim?” para ele mesmo, e então ele respondia “ah, são os fantasmas”. Incorpóreos e completamente silenciosos, os tais fantasmas pintavam e bordavam com aquele garoto. Vinham mostrar-lhes seus traumas de infância – que, é claro, não serão revelados, pois pertencem a ele e apenas a ele; nenhum psicólogo metido a besta seria capaz de tirá-los de lá – e riam e se divertiam quando viam que aquele garoto os levava a sério. Eram brincalhões e maldosos, esses tais fantasmas, travestidos de seus maiores medos e seus maiores anseios, tanto passados quanto futuros. Pois é, lá também estavam os fantasmas do futuro, os mais assustadores, com suas bocas escancaradas a rirem sem parar. Os do futuro talvez ainda fossem mais cruéis, posto que tinham a vantagem de deixá-lo amedrontado. Iam e viam e diziam que ele nunca seria um grande homem, que seus sonhos de fama e riqueza eram pura especulação de um adolescente sonhador, que não passaria de mais um, lembrado apenas por seus pais e seus parentes mais próximos. E ele se preocupava, e se corroia por dentro, acreditando naqueles malditos espíritos, naquelas vozes que troçavam com um sem fim de piadas e anedotas engraçadas somente entre eles. “Eles não teriam razão?”, o garoto perguntava-se, temendo por seu futuro. Via pessoas da sua idade muito mais bonitas e bem-sucedidas – é claro que também via as feias e mal-sucedidas, mas esses poucos importavam – e se perguntava por que ele não era assim. Via todos tirando fotos com amigos eternos, e se perguntava porque não tinha um desses. Sim, tinha amigos e colegas – confiava em quase nenhum, é claro – mas não sentia esse laço de amizade tão estreito que muitos afirmam ter. O que, então? Todos mentiam, ou era apenas ele? Não entendia como as outras pessoas conseguiam fazer e desfazer amizades eternas com tanta facilidade – bons amigos num dia, inimigos mortais no outro. Realmente, ele não entendia – e nem como eles conseguiam ser tão felizes. Não acreditava nessa felicidade plena; não essa que é indissolúvel, que não quer acabar por nada, que, não importa o que aconteça, continua inabalável. Não, isso simplesmente não existe! Ninguém – e com veemência ele sublinha isso – ninguém pode ser tão feliz o tempo todo! Não dá, simplesmente não dá pra sorrir o tempo todo! A vontade que ele tem agora é de pular a linha e começar outro parágrafo – eu sei, eu conheço ele muito bem – mas ele não vai apertar o “ENTER”. Ele vai continuar nessa mesma linha, e por mais desagradável que seja, ele não pode mudar de assunto assim, sem uma ponte de ligação. Então ele continuará falando dessas felicidades ilusórias e dessas amizades eternas. E ele vai ouvir músicas e tentar pensar em algo mais a dizer, mas a partir desse momento as palavras começarão a falhar; as mãos correrão com mais dificuldade pelas letras, e enfim ele poderá pensar: é, talvez o parágrafo esteja chegando ao fim. Não há mais ideias, não há mais assuntos. Há um momento em que o telefone precisa voltar ao gancho, que o computador precisa ser desligado, que a conversa precisa terminar. Até mesmo os bons livros e os bons filmes têm um fim – tirando essas continuações hollywoodianas incansáveis – então porque não terminar logo esse parágrafo de uma vez? Essa confusão de palavras e pensamentos amarrotados de um jeito bagunçado mas ainda assim coerente, essa torrente de pensamentos soturnos e vazios, esse desabafo de uma mente em crise temporária. É, porque continuar com isso? Os problemas desse garoto não são os maiores do mundo – ele não tem nenhum membro do corpo decepado, nem chora a perda de algum familiar pela guerra. Talvez esses fantasmas sejam apenas mais um problema. Não foi o primeiro, não será o último. Mas esse, diferente dos outros, foi registrado. Quem sabe os fantasmas se cansaram de tanta verborragia e decidiram partir? Ele se sente melhor – eu sei, eu já disse que conheço ele –, bem o bastante para bocejar e estalar os dedos. Ele quer terminar isso, mas agora as palavras não deixam. Ah, vamos lá, palavras, façam um esforço! Parem de aparecer e digam logo: fim. FIM.

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