domingo, 28 de fevereiro de 2010

Matogrosso e Bergman

Às vezes temos vontades súbitas. Hoje tive duas.

A primeira foi, sem nenhum tipo de motivo ou recomendação, baixar o disco do grupo Secos e Molhados. Nunca tinha ouvido nada além da já sacada e sacaneada 'O Vira' e suas dualidades no que diz respeito à sexualidade de Ney Matogrosso. Lembro de uma conversa com amigos onde um deles (ou uma delas) disse: 'Secos e Molhados está aqui e Mutantes está aqui', colocando as mãos quase alinhadas, a esquerda (representando o Mutantes) um pouco acima da direita (que representava o Secos e Molhados). Por algum motivo, aquilo ficou martelando na minha cabeça, uma vez que "Panis et Circenses" é um dos meus discos brasileiros preferidos. Se havia uma banda que poderia estar ligeiramente abaixo dos antológicos Mutantes, por que raios eu ainda não os tinha ouvido?

Então baixei o disco e, já na primeira faixa, Sangue Latino, dou de cara com uma poesia belíssima em forma de música, com versos simples e curtos, como esses: "Rompi tratados, traí os ritos/Quebrei a lança, lancei no espaço/Um grito, um desabafo/E o que me importa é não estar vencido". Cativou-me na hora, sem dúvidas, e o que veio depois só confirmou as minhas expectativas: músicas diferentes entre si, belíssimas, curtas do jeito que eu gosto. "O Vira" é engraçada, agitada, talvez fosse a mais divertida em um show; "O Patrão Nosso de Cada Dia" e "Assim Assado" são críticas extremamente audaciosas e mordazes contra a ditadura; "A Rosa de Hiroshima" é ainda mais bela na voz de Ney; "Primavera nos Dentes", a música mais longa do disco, tem uma grandiosa introdução e um canto breve. O final, com o berro de Ney, me assustou (o fone alto no ouvido foi um agravante) o bastante para que eu pulasse da cadeira.

A outra vontade súbita foi baixar e assistir ao filme Persona, do diretor sueco (e cult) Ingmar Bergman, depois de pelo menos umas três indicações positivas (e uma negativa). O filme - com uma introdução surrealista, com direito a uma fotografia-relâmpago de um pênis ereto e uma projeção de desenho animado de cabeça para baixo - conta a história de Elisabet e Alma. Elisabet é uma atriz que, subitamente, recusa-se a falar ou imprimir qualquer emoção através de sua voz ou suas expressões faciais. Os médicos dizem que não há problema físico ou psicológico com ela, mas ela simplesmente não fala. É então que entra em cena Alma, uma enfermeira designada para tomar conta da atriz muda. As duas, depois de um período no hospital, mudam-se para uma casa no campo, onde Alma - que nunca havia sido muito do tipo falante - expõe sua vida para Elisabet, que apenas a escuta.

O filme tem tomadas geniais, com sombras onde os rostos das duas se confundem, se enfocam e desfocam. Os monólogos (em especial o que Alma conta sobre suas experiências sexuais) são extremamente cativantes, e, mesmo sem nenhum artifício como flashbacks ou outras cenas, conseguimos imergir na cena apenas pelas palavras, um tipo de sentimento que dificilmente sinto com os filmes.

Mas ele, apesar de toda a cultuação, não é perfeito. O começo, por mais surrealista que possa ser, não tem um propósito aparente: procurei explicações e não as achei, o que me leva a crer que pouca gente tenha entendido o que foi proposto. Destoa do filme como um todo, da aura mais simplista que os cenários e os poucos personagens representam. O fim também não é facilmente digerível. Não sei, acho que ele termina de uma forma brusca, sem um desfecho propriamente dito, deixando algumas questões em aberto (que interpretei de uma forma que pode ou não estar certa). Cenas como Alma rasgando o pulso e dando para Elisabet beber simplesmente não entram na minha cabeça.

Foi um domingo proveitoso, milagrosamente. Filme bom música boa, tudo o que eu necessito. Espero que o próximo seja tão bom quanto esse.

2 comentários:

  1. Gosto das suas reflexões. Concordo quanto ao Secos & Molhados e você já sabe minha opinião sobre Persona, tão bem descrita no trecho:

    "[...] depois de pelo menos umas três indicações positivas (e uma negativa)"

    Ótimo post, como sempre!

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  2. Secos e Molhados... Ouvia muito quando criança (pois suas músicas sempre tocavam na rádio dos anos 90) e ainda ouço; para mim, além de ótimas, marcam uma época que não vivi e, estranhamente, traz nostalgia.

    Quanto ao filme, "Persona", vou vê-lo. Sou uma negação para cinema, mas gosto de boas películas (apesar de ser o único ser do planeta que não gosta dos filmes do Tarantino).

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